O artigo abaixo foi escrito pela repórter Vanessa Barbara, editorialista do New York Times para assunto brasileiros. Ele foi publicado nesta quinta-feira (5).
O FIM DO MUNDO? NO BRASIL, ELE JÁ ESTÁ AQUI
Pelo menos, é isso o que as pessoas por aqui dizem. Uma emenda constitucional do mês passado está sendo chamada de “o fim do mundo” por seus oponentes. Por quê? Porque suas consequências parecem desastrosas – e duradouras. Ela vai impor um limite de 20 anos em todos os gastos federais, incluindo educação e saúde.
O governo justifica a medida com base na severa crise orçamentária que o Brasil enfrenta. Mas o povo não esta topando. Uma pesquisa no mês passado descobriu que apenas 24 por cento da população apoia a emenda. Os brasileiros foram às ruas expressar sua desaprovação. Foram, como de costume, recebidos com gás lacrimogêneo e policiais da cavalaria. Estudantes secundaristas ocuparão mais de 1.000 escolas em protestos, muitas no estado do Paraná.
O governo não desiste. A emenda do “fim do mundo” é só uma de muitas medidas neoliberais sendo forçadas por Michel Temer, o presidente. Deveria ser causa de preocupação que o sr. Temer possa realizar tantas reformas como essa, especialmente considerando que muitas delas, incluindo o limite no orçamento, vão contra o programa da pessoa que – ao contrário do sr. Temer – verdadeiramente venceu as eleições presidenciais mais recentes.
No último agosto, a presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, foi removida da presidência sob alegações de que houvera manipulado o orçamento do governo. Assim que Temer, que havia sido o vice-presidente de Dilma Rousseff, assumiu, ele anunciou uma série de medidas neoliberais. Ele ainda está nessa toada, dizendo que está tirando vantagem de sua impopularidade para colocar em efeito medidas impopulares.
A emenda do orçamento, como muitas das medidas do sr. Temer, fará mal aos brasileiros mais pobres e vulneráveis pelas próximas décadas. Esta não é só a visão dos oponentes de esquerda do presidente. Philip Alston, o especialista das Nações Unidas em extrema pobreza e direitos humanos, disse recentemente que as medidas irão “travar os gastos inadequados e minguantes em saúde, educação e seguridade social, colocando uma geração inteira sob o risco de padrões de proteção social muito inferiores aos atuais”.
O sr. Alston adicionou que a lei colocaria o Brasil em “uma categoria jamais vista de retrocesso social”. O que parece ser exatamente o que Temer e seus aliados querem.
Além do limite de gastos, o sr. Temer apresentou uma proposta de reforma do sistema de aposentadoria do Brasil. Sua proposta definirá uma idade mínima de 65, em um país onde o cidadão comum se aposenta aos 54. A lei trará o requisito de pelo menos 25 anos de contribuição ao sistema de seguridade social tanto para homens como mulheres.
Existem boas razões pelas quais o Brasil não aprovou leis como essa antes. Embora a expectativa de vida no Brasil seja de 74 anos, somos um dos países mais desiguais do mundo. Por exemplo, em 37% das vizinhanças pobres de São Paulo, as pessoas têm uma expectativa de vida de menos de 65 anos. Isso é ainda mais baixo em comunidades pobres rurais.
Alguns dos planos econômicos do sr. Temer não têm nem a ver com o déficit orçamentário. Também no mês passado, pouco depois de o limite do orçamento passar, o governo propôs uma lei trabalhista que permite que acordos entre contratantes e sindicatos fiquem acima das leis trabalhistas. A nova proposta também aumenta o número máximo de horas trabalhadas para 12 por dia e reduz regulações na contratação de trabalhadores temporários. A comunidade empresarial elogiou o plan. As centrais sindicais estão enfurecidas.
Outra prioridade da presidência Temer é o que ficou conhecido como a Lei da Terceirização. Foi primeiramente proposta em 2004, mais nunca passou por causa da forte resistência das centrais sindicais. Em abril de 2015, foi ratificada pela Câmara dos Deputados, e agora espera apreciação pelo Senado. A lei permitiria às empresas terceirizar qualquer função, até as centrais para o negócio. Sob as regras atuais, as empresas podem terceirizar apenas trabalhos “não-essenciais”, como posições de zeladoria, enquanto os trabalhadores “essenciais” devem ser contratados diretamente pela companhia, o que significa que têm direito a todos os benefícios escritos em lei, como férias pagas, licença-maternidade e bônus de fim de ano.
Tudo isso considerado, não deveria ser surpresa que a administração Temer seja profundamente impopular: uma pesquisa em dezembro revelou que 51% dos brasileiros a considera “ruim” ou “péssima”. (Somente 10% dos entrevistados disseram aprovar o governo. 34% o consideram “regular”). O sr. Temer, que assumiu o poder graças ao impeachment da sr. Rousseff, também foi julgado culpado de violar os limites financeiros de campanha eleitoral e foi mencionado em um dos muitos escândalos de corrupção se desdobrando no país.
Mesmo assim, o novo governo já tem apoio total das seguintes organizações: a Federação Brasileira de Bancos, a Frente Parlamentar da Agropecuária, a Confederação Nacional das Indústrias, a Organização Mundial do Comércio, a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo, a Federação de Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores e muitos executivos de cúpula.
Para alguns brasileiros, pelo menos, o fim do mundo é o começo de uma oportunidade de ouro.
Do New York Times, tradução de Renato Bazan