A proposta apresentada pelo governo Michel Temer para a reforma da Previdência Social considera que o Brasil é um grande escritório com ar condicionado, água mineral em copinho reciclável e mobiliário ergonômico, com polpudo tíquete-refeição, bônus no final do ano e previdência privada complementar.
Essa é a única justificativa plausível para propor 65 anos como idade mínima para aposentadoria, considerando que há milhões de trabalhadores braçais de Estados com baixo índice de desenvolvimento humano, como o Maranhão, cuja expectativa de vida é pouco maior do que isso.
Muitos dessas pessoas começam a trabalhar antes mesmo da idade mínima de 14 anos prevista por lei (como aprendiz) e, aos 18, já cortavam 12 toneladas de cana de açúcar diariamente, queimavam-se produzindo carradas de carvão vegetal para abastecer siderúrgicas e limpavam pasto ou colhiam frutas sob um sol escaldante. Ou carregavam pesados sacos de 50 kg de cimento, caindo de andaimes na construção civil.
Essa mudança na Previdência pode ser plausível para a vida de advogados, economistas, jornalistas, cientistas sociais, administradores de empresas, políticos, magistrados, procuradores. Mas e para quem começou desde cedo entregando seu corpo como instrumento de trabalho para atividades físicas desgastantes e, agora, descobre que ele é tão descartável quanto luvas e máscaras?
O governo Michel Temer deveria ter que explicar a proposta para um grupo de cortadores de cana ou de pedreiros. Não através das propagandas bonitinhas feitas para a TV, que escondem boa parte dos fatos, mas sim em um ”pergunta e resposta”, cara a cara, mano a mano. Sem meias palavras, sem enganações. Se saírem inteiros de lá, podem tocar a reforma.
A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem radicamente as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.
Contudo, essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois essas medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo.
O ideal seria, antes de fazer uma reforma da Previdência Social, garantirmos a qualidade do trabalho no Brasil, melhorando o salário e a formação de quem vende sua força física, proporcionando a eles e elas qualidade de vida – seja através do desenvolvimento da tecnologia, seja através da adoção de limites mais rigorosos para a exploração do trabalho. O que tende a aumentar, é claro, a produtividade. Basta ver a ”vida” dos empregados de frigoríficos em todo o país, que são aposentados por invalidez aos 30 e poucos anos por sequelas deixadas pelo serviço para entender do que estamos falando.
Mas como isso está longe de acontecer, a discussão talvez passe por um regime diferenciado para determinadas categorias, que manteria o tempo de contribuição para garantir a aposentadoria integral. Mas isso a reforma que está sendo proposta pelo governo não diz. Trata a sociedade como o grande escritório com ar condicionado ajustado para 17 graus citado acima. E, ainda por cima, quer mexer na aposentadoria rural – que é um dos maiores programas de distribuição de renda do país e garante a dignidade para milhões de pessoas.
Por fim, como já alertei aqui, o melhor de tudo é que o discurso está sendo construído de forma que os trabalhadores achem importantíssimo e justas as mudanças que vão lhes tirar direitos sem uma consulta prévia. Porque uma eleição é exatamente isso: uma consulta sobre um projeto de governo ou de país que se quer implantar.
Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defendesse abertamente a proposta de impor uma idade mínima de 65 anos para quem está na ativa à aposentadoria, a população brasileira, ao menos, terá sido consultada sobre fatos que interferem em sua vida.
Michel Temer quer aprovar a Reforma da Previdência o quanto antes a fim de mostrar para parte dos que o ajudaram a chegar lá que ele, quando promete, retira e entrega.
Sabe que a maior prova de que a população repudiaria qualquer político com essa plataforma é que a base aliada de seu governo no Congresso Nacional se borrou de medo de discutir a reforma da Previdência antes das eleições municipais. Afinal, o que diriam para seus eleitores sobre a razão de terem votado a favor de postergar a aposentadoria do populacho?
Há milhões de pessoas, fundamentais para o crescimento do país, que se esfolaram a vida inteira e não deveriam ser deixadas na beira da estrada quando deixarem a população economicamente ativa. Pena que não será assim que as coisas vão acontecer.
Leonardo Sakamoto, jornalista
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