Censura. No dicionário censura é: 1.ato ou efeito de censurar. 2. análise, feita por censor, de trabalhos artísticos, informativos etc., ger. com base em critérios morais ou políticos, para julgar a conveniência de sua liberação à exibição pública, publicação ou divulgação.
Com esse substantivo explicado, vamos ao tema central do texto, o documentário “Trem da Alegria – Arte, Futebol e Ofício”, com direção de Francis Vale.
Com pouco mais de 80 minutos o filme conta a história da equipe de futebol idealizada por Afonso Celso Garcia Reis, o ex-jogador de futebol, Afonsinho, 69 anos de idade. O nome, Trem da Alegria, segundo o próprio Afonsinho, neto de ferroviários que hoje é médico na Ilha de Paquetá no Rio de Janeiro, é uma homenagem à Garrincha, a “alegria do povo”. O time misturava músicos, jogadores profissionais (muitas vezes sem clube), “atletas de fim de semana”, poetas e quem mais se aproximasse com disposição para compor o elenco do Trem.
Era futebol com música ou música com futebol? A pergunta não precisa ter resposta. Fato é que a mistura deu certo e os que puderam participar afirmam por mais de uma vez durante o filme que aquele foi o “melhor momento de suas vidas”, embora os tempos fossem difíceis. O diretor Francis Vale conta que “Afonso começou a agregar vários jogadores. Ou porque não tinha clube ou porque estavam em fim de carreira, isso incluiu também o Garrincha”.
A ideia surgiu em 1975, a partir de um show com direito a partida de futebol disputada na USP. Paulinho da Viola conta com detalhes sobre esse evento durante o documentário. Mas a equipe só estreou mesmo com o nome de Trem da Alegria no dia primeiro de maio de 1976, em um jogo organizado por uma Usina em Sertãozinho (interior de São Paulo), e a partir dai começam a rodar o Brasil.
“Era um momento em que estava tudo disperso por conta da ditadura, todo mundo com medo de se aproximar, o time funcionou como um aglutinador. A experiência do Trem deixa essa mensagem de se agregar, de se juntar, para de alguma forma resistir à opressão”, relembra Vale, e continua, “em relação à política não existia uma coisa explícita, estávamos na ditadura, mas aparecia nos papos que rolavam na mesa do bar, depois dos jogos”.
Fagner, Moraes Moreira, Paulinho da Viola, Gonzaguinha, todos eles jogaram bola com a camisa do time. Afonsinho, Ney Conceição (que também atuou no Botafogo-RJ) e até o Garrincha, todos eles também tentaram arranhar algum instrumento antes e depois das partidas. Registros? Quase nada, a repetição de poucas fotos e recortes de jornal durante o documentário parecem reforçar a todo momento a sombra da censura dos anos de chumbo que pairava sobre a aparente liberdade dos que participavam do Trem da Alegria. “Até o João Gilberto andou por ali”, comenta Francis.
A participação de um dos maiores jogadores de todos os tempos, Garrincha, chama atenção, e sobre isso o diretor conta que “juntou um pessoal e foram lá chamar o Garrincha na casa dele pra ser o técnico, e ai ele falou: ‘técnico não, eu quero jogar, a camisa 7 é minha’ e lá foi ele jogar”. Sobre a organização, um certo improviso é mantido desde o início das atividades, “o Trem, que tem o hino composto pelo João Nogueira, até hoje não tem nenhuma ata, não tem diretoria não tem nada, o Afonso pegava a agenda ligava para quatro pessoas, que ligavam pra mais quatro e de repente estava formado o time”, recorda Francis.
“O filme busca trazer à tona a discussão sobre a estrutura do futebol, temos a herança da ditadura ainda muito presente no futebol brasileiro. Ainda são os mesmos dirigentes, foram buscar um presidente militar para a CBF durante a Copa”, aponta Francis Vale.
O diretor ainda comenta que muitas iniciativas dentro do futebol tiveram influência do projeto de Afonsinho, como por exemplo “o movimento do Sócrates no Corinthians, a Democracia Corintiana”. Não por acaso, após a morte do ex-jogador e também médico, Sócrates, Afonsinho substituiu o “doutor” como colunista na revista Carta Capital.
O documentário será exibido na 40ª Mostra de Cinema de São Paulo desse ano na próxima segunda-feira (31), às 15 horas no Cinesesc, localizado na Rua Augusta.
E para quem quiser conferir pessoalmente e jogar uma partida com o Trem da Alegria, Francis dá a dica “no dia primeiro de maio, todos os anos, tem uma festa lá em Paquetá”. Em tempos de luta pela democracia, o Trem continua a rodar!
Fonte: Portal Vermelho, por Thiago Cassis, jornalista e coordenador do Coletivo Futebol, Mídia e Democracia do Barão de Itararé