Temperamental, o cantor e compositor americano Bob Dylan continua fazendo jus à sua fama de mal-humorado: mais de um dia se passou, e o bardo não se dignou a atender um telefonema da academia sueca que acaba de lhe conceder o prêmio Nobel de Literatura.
Dylan, 75 anos, é o primeiro músico a ganhar a distinção literária em mais de um século (antes dele, a honraria fora concedida apenas ao musicista indiano Rabindranath Tagore, em 1913).
Na definição dos jurados, Dylan foi homenageado por ter criado, ao longo dos seus mais de 70 álbuns e centenas de canções, uma nova expressão poética dentro da grande tradição norte-americana da canção. Reconhecimento que vai além dos dois livros que efetivamente publicou, Tarântula (1966) e Chronicles 1 e 2, sua autobiografia.
Nascido Robert Allen Zimmerman, o rebelde garoto americano trocou o sobrenome de família pelo prenome do seu poeta favorito (Dylan Thomas) e encantou uma geração de hippies e fãs do country e do folk para depois “os apunhalar pelas costas”, como muitos críticos disseram, ao trazer às suas melodias harmonizadas com gaita e violão uma guitarra distorcida, barulhenta – roqueira.
Seu repertório produziu clássicas canções de protesto, com letras socialmente engajadas, que bradavam contra a violência racial, a política excludente e o imperialismo americano. Dylan nunca aceitou o rótulo, por mais que Blowing in the Wind, The Times They are-a Changing, Mr Tambourine Man ou Hurricane sejam ainda hoje libelos humanistas, hinos a refletir sobre os tempos e suas perversas injustiças.
Na década de 1960, Dylan era o homem que não fazia concessões. Ele esculhambava com sarcasmo os empolados articulistas da revista Time, e não tentou contemporizar quando, durante um show em Manchester Free Trade Hall, em 1966, num intervalo entre as músicas, alguém da ala country da plateia o acusou: – Judas (por causa do uso das guitarras).
Dylan virou-se para a banda e gritou: “Play it fucking loud” (Toque isto muito alto), e assim introduziu a próxima música do repertório: o clássico Like a Rolling Stone, para delírio do público – ou pelo menos parte dele.
A voz rouca da discórdia nunca esmoreceu. E está aí mesmo uma das contradições mais fascinantes de Dylan: em mais de meio século de carreira, ele elevou a sua obra a um patamar universal.
É interpretado por uma diversificada gama de músicos que vai da cantora pop Sheryl Crowe ao brasileiro Zé Ramalho, do reggae de Bob Marley ao rock dos Rolling Stones ou a MPB de Caetano Veloso (além da banda mineira Skank que fez uma versão da canção I want you, de Dylan, intitulada Tanto).
A sua música é interpretada por vozes delicadas como Gal Costa e Joan Baez, e também funciona perfeitamente bem em versões roqueiras de bandas como os Byrds, Guns´n Roses ou de Neil Young.
A universalidade de sua música também pode ser observada através da biografia do artista escrita pelo jornalista Robert Shelton, lançada há alguns anos no Brasil: “No Direction Home: a Vida e a Música de Bob Dylan” (Larousse).
O livro enfoca a trajetória do músico e mostra a competência que ele teve em criar sólidas redes sociais junto a artistas que admirava, com uma profícua troca de composições e letras.
Nesta célebre galeria de amigos estão John Lennon, Johnny Cash, Allen Ginsberg e muitos outros. O livro, inclusive, emprestou seu título à cinebiografia dirigida por Martin Scorsese em 2005, e forneceu bases para o roteiro de um outro filme que está sendo produzido atualmente sobre o artista.
Confira alguns clássicos de Bob Dylan:
Natália Rangel – Portal CTB