É impossível falar em feminismo e movimento negro em 2016 sem falar de empoderamento. A palavra, um neologismo do educador Paulo Freire que tem origem no termo inglês “empowerment”, define um conceito fundamental para entender as aspirações desses movimentos sociais.
E tem sido cada vez mais usada. De 2011 para cá, o uso do termo tem crescido na internet. O pico em 2013 coincide com os protestos de junho daquele ano:
A palavra “empoderamento” é descrita em dicionários da língua portuguesa como Aurélio e Houaiss. De acordo com eles, o termo conceitua o ato ou efeito de promover conscientização e tomada de poder de influência de uma pessoa ou grupo social, geralmente para realizar mudanças de ordem social, política, econômica e cultural no contexto que lhe afeta.
A ideia é dar a alguém ou a um grupo o poder de decisão em vez de tutelá-lo. O movimento feminista negro, por exemplo, trabalha para empoderar mulheres negras, promovendo conscientização, por meio de educação comunitária, palestras e produção de conteúdo. O objetivo é dar instrumentos necessários para que esse grupo reivindique políticas públicas que beneficiem ou diminuam suas dificuldades específicas.
É, portanto, um conceito fundamental para explicar as principais faces de movimentos sociais que defendem mais participação social e oportunidades para minorias.
Mesmo assim, dentro e fora desses grupos sociais, há debates sobre o uso do termo. Há quem defenda que a banalização da palavra dilui o seu sentido real. Outros dizem que o aportuguesamento do termo em inglês foi feito de maneira descuidada, confusa ou que empoderar sequer seja um termo necessário.
Como surge uma palavra nova
O surgimento de uma palavra nova é um processo motivado e influenciado por uma série de fatores sociais e contextuais.
Qualquer um pode inventar uma palavra e atribuir a ela um significado. No entanto, a única coisa que vai garantir que essa palavra adquira, de fato, o significado desejado é um acordo não-verbalizado entre os falantes da língua, que começam então a usá-la para identificar um sentido ou ideia específica.
É assim que surge uma palavra nova, e posteriormente os dicionários a identificam, a catalogam e a definem – sempre com base no contexto de uso e no significado semântico que o termo adquiriu de maneira orgânica.
Em tempos de comunicação globalizada, é muito mais comum que novas palavras sejam “emprestadas” de outros idiomas e adaptadas, fonética e gramaticalmente, em outros idiomas. Em outros tempos, esse processo já acontecia por meio de imigração, por exemplo. Agora, isso sequer é preciso.
“Empoderamento” é um desses casos. Em 1977, o psicólogo norte-americano Julian Rappaport cunhou o termo “empowerment” a partir da palavra “power” (“poder”) para defender que era preciso dar ferramentas a certos grupos oprimidos para que eles tivessem condições e autonomia de se desenvolver.
O educador brasileiro Paulo Freire criou sua versão do termo para debater a proposta de Rappaport: para ele, eram os próprios grupos desfavorecidos que deveriam empoderar-se a si próprios, uma noção que se tornou popular entre educadores e sociólogos.
A palavra foi adotada por movimentos sociais e hoje é largamente utilizada, inclusive por entidades como a Organização das Nações Unidas.
‘Palavra feia’
Entre linguistas, não há grandes questões sobre a adoção, a definição e o uso do termo “empoderamento”.
“A palavra ‘empowerment’ foi empregada pelo presidente Barack Obama recentemente, por ocasião do massacre ocorrido na boate Pulse […]: ‘O lugar em que foram atacados é mais que uma boate – é um lugar de solidariedade e empoderamento’. O emprego feito pelo presidente reforça o significado do termo como conquista coletiva de autonomia, emancipação das chamadas minorias. Não se trata, portanto, de termo restrito à bandeira feminista, muito menos de ‘jargão feminista’, como já se chegou a dizer.”
As análises acadêmicas que estudam a origem da palavra e seus contextos versam, principalmente, sobre o significado semântico “empoderar” e como a palavra ganhou o significado que tem hoje, definido no início deste texto.
Ana Freitas, no Nexo Jornal