Flip 2016 valoriza a Poesia Marginal e fortalece debate sobre a literatura

A 14ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro, encerra-se neste domingo (3), reforçando o clima de politização de amplos setores da intelectualidade brasileira. Diz reportagem do “El País Brasil” que a expressão “primeiramente, fora Temer” virou cumprimento entre os participantes da Flip 2016.

Após receber críticas por não contar com mulheres na edição passada, os organizadores fizeram esta Flip com número paritário de escritoras e escritores. Inclusive, a poeta Ana Cristina Cesar – Ana C., é a homenageada neste ano.

“A geração de Ana Cristina ajudou a redescobrir Paraty e a despertar a vocação literária da cidade. Vai inspirar uma Flip com o sabor dos anos 1970 e 80, um momento chave para compreender o Brasil e Paraty de hoje”, diz Mauro Munhoz, presidente da Associação Casa Azul, mantenedora da Flip.

A fluminense Ana Cristina Cruz Cesar, que assinava Ana C., nasceu em Niterói, em 2 de junho de 1952 e morreu em 1983, aos 31 anos. Sua obra permanece atual e uma das grandes representantes do movimento denominado Poesia Marginal ou Geração Mimeógrafo, que fugiu dos padrões convencionais de distribuição da escrita.

A Poesia Marginal predominou nos anos 1970, onde despontaram, grandes nomes como Paulo Leminski, Heloísa Buarque de Hollanda, Chacal, Torquato Neto, Ana C. e Waly Salomão, entre outros.

“A obra de Ana C. é densa, pulsante, e conquista leitores em todas as partes do mundo. A homenagem vai poder iluminar áreas menos conhecidas de sua obra e desfazer alguns lugares-comuns a respeito de sua vida”, diz o curador da Flip, Paulo Werneck.

O movimento foi batizado pelo artista plástico Hélio Oiticica – um dos principais nomes do Tropicalismo – e conquistou corações e mentes por apresentar uma temática contemporânea e jovem.

flip 2016

Outro fato marcante é que, apesar de todo avanço tecnológico, a procura por livros cresce ano a ano. Estudos recentes mostram um aumento no número de leitores no Brasil, atingindo uma média de leitura de 4,96 obras por ano, de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.

“Eu fico dividindo o meu tempo. Fico um pouco lendo, um pouco usando o celular e dá para fazer tudo. Se eu gosto da história e do autor, eu procuro na internet sobre os outros livros dele e aí compro para ler. Eu gosto de ver o livro, a capa, acho legal”, fala a adolescente Ana Clara Mazzoni, ao site Notibras. 

Para muitos, a Poesia Marginal significa um passo adiante do movimento modernista em busca de valorização da cultura nacional sem xenofobia. Certamente, um traço relevante da produção literária brasileira.

A Flip 2016 fortalece o debate sobre o papel da literatura no mundo contemporâneo, onde os acontecimentos ganham maior velocidade a cada dia, dificultando a disponibilidade para reflexões.

Para conhecer um pouco mais sobre Ana C., uma dica importante é a leitura de “Inconfissões – Fotobiografia de Ana Cristina Cesar”, biografia organizada pelo escritor Eucanaã Ferraz. Abaixo um pouco da limpidez da poesia de Ana C.:

Soneto

Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu

Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina

E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?

E penso

a face fraca do poema/ a metade na página
partida
Mas calo a face dura
flor apagada no sonho
Eu penso
A dor visível do poema/ a luz prévia
Dividida
Mas calo a superfície negra
pânico iminente do nada.

Mocidade independente

Pela primeira vez infringi a regra de ouro e voei pra cima sem
medir as consequências. Por que recusamos ser proféticas? E
que dialeto é esse para a pequena audiência de serão? Voei pra
cima: é agora, coração, no carro em fogo pelos ares, sem uma
graça atravessando o estado de São Paulo, de madrugada, por
você, e furiosa: é agora, nesta contramão.

Portal CTB – Marcos Aurélio Ruy

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