Um grupo de terapeutas ocupacionais no Recife analisaram o resultado de uma interação com jovens do 8º e 9º do Ensino Fundamental em uma pesquisa publicada na última edição da Revista Saúde e Sociedade, da Faculdade de Saúde Pública da USP. O artigo completo pode ser lido no Portal de Revistas da universidade. As pesquisadoras Anna Sena, Rosana Monteiro, Vera Facundes, Maria de Fátima Trajano e Daniela Gontijo apresentam a avaliação de uma pesquisa feita com jovens pernambucanos matriculados no 8º e 9º ano de uma escola pública do Recife.
O estudo sediado pelo Departamento de Terapia Ocupacional da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) teve como objetivo identificar os padrões de gênero e as concepções acerca do sexo entre o adolescente comum brasileiro e, por fim, analisar criticamente estas, para ajudar na adoção de novos hábitos mais saudáveis no âmbito sexual e também social. A pesquisa foi feita por meio de encontros semanais com jovens que se inscreveram por vontade própria (e com autorização dos pais) no programa, em uma escola da rede pública de ensino fundamental.
“Quando eu vi [o surgimento dos pelos pubianos] fiquei tão feliz […] porque eu virei homem”
“Um homem de verdade nunca brinca com boneca”
(Frases dos adolescentes participantes do estudo)
Foram conduzidas reuniões em que as pesquisadoras abordavam diferentes tópicos sobre sexualidade, com inspiração nos métodos descritos por Paulo Freire, por meio de jogos que levantavam temas como o corpo masculino e feminino, relações de gênero e sexualidade, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e métodos contraceptivos.
De acordo com o artigo, não é possível traçar generalizações a partir dos dados colhidos, já que as respostas e opiniões pessoais dos jovens divergiam em sua maior parte. Porém, alguns novos padrões surgiam. ”Os modelos de masculinidades valorizados socialmente podem colocar o adolescente em situação de vulnerabilidade”, ressalta Anna Sena. “Por outro lado, também se percebeu que estes modelos hegemônicos do homem como unicamente provedor moral e material do lar, começam a coexistir com outras possibilidades de ser homem, principalmente no que se refere ao exercício da paternidade de forma mais afetiva e cuidadosa”.
Sexualidade na adolescência
De acordo com a pesquisa de 2012 do IBGE sobre sexualidade na adolescência, 28,7% dos estudantes no 9º ano do Ensino Fundamental (13-15 anos, em média) já tiveram alguma relação sexual. Na divisão por gênero desta porcentagem, é possível ver que os meninos são em geral mais precoces: 40,1% deles já haviam feito sexo, porcentagem bem maior que das meninas (18,2%).
Porém, dois números são mais preocupantes: 25% dos jovens que já tiveram relação sexual não utilizaram preservativo na última relação, e 20% de todos os jovens entrevistados não receberam orientação na escola sobre prevenção de gravidez.
A fraca educação sexual no Brasil tem como resultado um número extenso de bebês de adolescentes: 555 mil nascimentos apenas em 2013, maior que a população inteira do Suriname. Este número corresponde a 19% de todos os nascimentos no país neste ano.
“Assumir um filho é compartilhar. Da mesma forma que a mulher troca a fralda dele, a gente também tem que trocar. Lavar prato, dar a comida […] não deixar para ela fazer tudo sozinha”
“Acaba a liberdade, pra menina é mais difícil, porque o marido, assim, vai trabalhar e ele ainda vai ter tempo de se divertir, e ela não”
(Frases dos adolescentes participantes do estudo)
“Uma surpresa foi o altíssimo índice de participação dos e das adolescentes durante as intervenções e na pesquisa”, afirma Anna. “Outra surpresa, esta não positiva, foi a constatação de conhecimentos equivocados em relação a doenças sexualmente transmissíveis e AIDS que podem colocá-los em risco. Neste sentido, destaca-se a percepção inicial de que a AIDS é uma doença que tem cura e, assim sendo, não desperta tanto medo na contaminação”.
A construção das masculinidades
Um dos pontos iniciais do artigo exalta a imposição de valores já permeados na sociedade sobre o papel do gênero masculino e como os adolescentes naturalmente reproduzem padrões dos grupos sociais em que fazem parte. Estes valores, que mudam de acordo com as diferentes dimensões sociais, econômicas, geracionais e culturais, formam espaços simbólicos denominados “masculinidades”.
“Até porque se ele rejeitasse a proposta dela [de ter relações sexuais no primeiro encontro, ele seria chamado] de frango, aí ele […] ia queimar a fama dele”
“Uma menina [homossexual] está tudo bem, mas um menino não. Porque um menino não vai ter vergonha de andar com uma lésbica, mas com um gay o povo vai ficar falando”
(Frases dos adolescentes participantes do estudo)
Porém alguns modelos de masculinidades são hegemônicos e se tornam grandes orientadores da conduta social, mesmo que em sua maioria formem hábitos excludentes. São características que manifestam um antagonismo à figura feminina: a virilidade, heterossexualidade, força, fonte de sustento material e moral da família, a vivência da sexualidade sem limites e a percepção de invulnerabilidade.
A consequência deste modelo de conduta para a população jovem é o impacto a fragilidade psicológica e o desejo de autoafirmação e status, que pode levar a comportamentos de risco como o sexo sem preservativo e com diferentes parceiras, que por sua vez podem resultar não apenas em gravidez precoce e doenças transmissíveis, mas, também, em abalo psicológico nos adolescentes em questão e a terceiros/as.
“Mais um aspecto observado foi a valorização excessiva de padrões hegemônicos de gênero que podem resultar em condutas de risco pelos adolescentes”, afirma. “Por exemplo, concepções sobre impossibilidade de se negar a ter relação sexual com uma mulher para não ter sua masculinidade questionada socialmente, ou que cuidar de si mesmo é coisa de mulher”.