No domingo (19), Caetano Veloso resolveu desejar felicidades ao aniversariante do dia, o seu amigo Chico Buarque.
Não seria nada demais, se não se tratasse de dois dos mais importantes representantes da cultura brasileira. E se Caetano não fizesse – como não poderia deixar de ser – um texto de raríssima sensibilidade.
Mais do que uma efeméride, Caetano transformou a sua homenagem num texto onde reflete sobre a necessidade de um país valorizar a sua cultura, para evoluir em seu processo civilizacional.
Caetano celebra a solidariedade, a generosidade, o respeito. Mas principalmente, rechaça a brutalidade dos dias atuais, onde não há espaço para a delicadeza e para a inteligência.
Portal CTB – Marcos Aurélio Ruy
Leia abaixo o texto na íntegra de Caetano Veloso:
“O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam.
Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso.
Amo-o como amo a cor das águas de Fernando de Noronha, o canto do sotaque gaúcho, os cabelos crespos, a língua portuguesa, as movimentações do mundo em busca de saúde social.
Amo-o como amo o mundo, o nosso mundo real e único, com a complicada verdade das pessoas.
Os arranha-céus de Chicago, os azeites italianos, as formas-cores de Miró, as polifonias pigmeias.
Suas canções impõem exigências prosódicas que comandam mesmo o valor dos erros criativos.
Quem disse que sofremos de incompetência cósmica estava certo: disparava a inevitabilidade da virada.
O samba nos cinejornais de futebol do Canal 100, Antônio Brasileiro, o Bruxo de Juazeiro, Vinicius, Clarice, Oscar, Rosa,
Pelé, Tostão, Cabral, tudo o que representou reviravolta para nossa geração foi captado por Chico e transformado em coloquialismo sem esforço.
Vimos melhor e com mais calma o quanto já tínhamos Noel, Haroldo Barbosa, Caymmi, Wilson Batista, Ary, Sinhô, Herivelto.
A Revolução Cubana, as pontes de Paris, o cosmopolitismo de Berlim, o requinte e a brutalidade de diversas zonas do continente africano, as consequências de Mao. Chico está em tudo.
Tudo está na dicção límpida de Chico.
Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto o Brasil.
Sem o amor que eu e alguns alardeamos à nossa raiz lusitana, ele faz muito mais por ela (e pelo que a ela se agrega) do que todos nós juntos.”