O dia 12 de maio de 2016 se insere, a partir de agora, como mais uma “página infeliz da nossa História”. Afastou-se a Presidenta da República, eleita pelo voto direto do povo brasileiro, antes do término do mandato. Foram golpeados, a um só tempo: a democracia, a Constituição, a soberania popular, a luta histórica das mulheres.
Muitas pessoas, até descontentes com este desfecho dramático, se sentem incomodadas quando se fala de golpe. Afinal, não se viu tanques e tropas nas ruas. Apegam-se à aparência de um processo parlamentar que teria percorrido os trâmites legais previstos. Aparência e não essência.
A verdade nua e crua, que horas intermináveis de discursos jamais poderão comprovar, é que não há crime de responsabilidade da Presidenta da República que respalde um processo de impedimento. Tanques e tropas simbólicos passaram por cima de todos e todas que, ao longo de um domingo de eleições no país em 2014, foram às urnas depositar seu voto num projeto, numa esperança, num ideal – tenha sido ele vitorioso ou não.
É tão violento o processo que o “novo governo” já anunciou que implementará , de imediato, um outro programa, que sequer foi apresentado, debatido, contestado, confrontado e, por fim, aprovado ou não nas urnas pelo povo brasileiro. Para o “novo governo”, guindado ao poder por uma espécie de voto indireto num colégio eleitoral eivado de acusações (nem vamos lembrar daquele que presidiu a votação na Câmara dos Deputados!), basta a aprovação do deus Mercado e da grande mídia.
A mudança é tamanha que já no seu primeiro discurso o “presidente interino” Temer sequer menciona palavras e conceitos que fizeram a grandeza e o desabrochar da cidadania na sociedade brasileira. Mulher, negro, gênero, inclusão social, movimento social, liberdades … não são mencionados em nenhum parágrafo do pronunciamento e, tudo indica, serão relegados aos desvãos formais de alguns Ministérios fundidos artificialmente.
E as mulheres, onde estão as mulheres?
Não estiveram no texto do pronunciamento, não estavam na foto que correu o Brasil e o mundo apresentando o ”novo Ministério” – com 100% de homens brancos. É chocante que em pleno século XXI, quando o planeta celebra o imenso papel das mulheres na sociedade, quando inscreve nos seus documentos de Acordos e Declarações Internacionais a fundamental participação da mulher, a questão de gênero e a diversidade como conceitos valiosos para compreender o mundo contemporâneo, aqui no nosso Brasil um autodenominado governo de “união nacional” se apresente com esta cara e, sabidamente, com um pensamento conservador e retrógrado sobre as conquistas e os direitos da cidadania.
Grande parte da base parlamentar na Câmara dos Deputados e no Senado que votou a favor do impedimento da Presidenta Dilma é a mesma que lidera ou consente que se retire o conceito de gênero de todo e qualquer texto que chega ao Congresso, que brada discursos homofóbicos, e que impede que direitos das mulheres avancem na lei e na prática.
Golpeada foi a democracia, golpeada foi a luta histórica das mulheres. Alcançamos eleger a primeira Presidenta da República no Brasil, num longo e sofrido processo social pela afirmação de milhões de mulheres, para ter direitos iguais no trabalho, na educação e saúde, para não sermos vítimas de violência, para não ter nossa imagem degradada ou diminuída socialmente e, o que tem se revelado o desafio mais difícil, para chegar a ocupar efetivamente os espaços de decisão e de poder.
O afastamento de Dilma é também uma afronta a todas que assumimos estas bandeiras. As ofensas a ela dirigida, a campanha midiática sórdida para evidenciar de forma negativa todo e qualquer atributo como governante e pessoa, a vingança de Eduardo Cunha por não ter obtido sucesso em pressioná-la, as vozes e pressões dos poderosos para que ela renunciasse e saísse da cena política sem traumas – tudo isso explica em grande parte quanto dura é e ainda será a jornada das mulheres para derrubar o muro machista da política e do poder no Brasil.
A resistência de Dilma e das mulheres – de todos os movimentos, brancas, negras e indígenas, em toda a sua diversidade –, mas sobretudo das mulheres jovens que ocuparam as ruas nas manifestações por todo o país, é um sinal claro de que nada vai deter o ímpeto, a coragem e a determinação desta geração de brasileiras em chegar mais longe, e novamente.
Nádia Campeão é vice-prefeita da cidade de São Paulo.
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.