Nos tempos de escola, não vou mentir, o melhor momento era quando tocava o sinal da saída. Alforriado, preferia a rua que a sala de aula. Não gostava de estudar. Quem diria que duas décadas depois colecionaria livros, inclusive de minha própria autoria?
Mas o segundo melhor momento era a hora do recreio. Ainda me lembro dos pratos, colher e da caneca azul onde serviam quando a gente tinha sorte um suco de mexerica fresca.
Arroz, feijão e carne moída eram os campeões de audiência do recreio, a gente raspava toda a comida, alguns mais exaltados demonstrava gratidão sentando a língua e lambendo o prato até ele ficar lustrado. O elogio que a gente fazia questão de dar pessoalmente às merendeiras, nossas chef gourmet, era com um inocente:
– Tia pode repetir?
O pão com salsicha é outro que causava alvoroço e atraía a molecada pra fila da merenda como formiga no açúcar.
Fui para o ensino fundamental, no intervalo, já não serviam mais o mingau e mesmo um chocolate quente em tempos mais frios passou a ser momento raro.
Quase certeza que teria uma bolacha seca com água de torneira. Pra alguns esta seria a primeira e única refeição até a hora do recreio no dia seguinte. Quando poderiam saborear novamente, bolacha seca…
Anos depois fui entender que a maior diferença do lanche do pré para o da escola primária era quem pagava, um era de responsabilidade da prefeitura e o outro do governo do estado. E nessa época contrariando todos os diagnósticos era uma mulher nordestina quem venceu as eleições e se tornou prefeita da cidade.
Não foi só o lanche que foi se tornando cada vez mais seco e rareado, a gente vai crescendo e ficando com vergonha de comer merenda no recreio.
Da hora era comprar salgadinhos, bolacha recheada e refrigerante na cantina da escola, essa era a divisão de classes em nosso microuniverso, entre os que podiam ou não comprar seus lanches.
Eu já era rebelde, não entrava na fila da merenda nem na da cantina, entrei foi pra uma gangue. Nada muito aterrorizador, eramos a turma do serra-lanche.
No fundo, sem teoria, a gente já praticava o espírito de compartilhamento, tão em moda em tempos de rede social. Só que não, era a década de 1990, nem o mais moderno de nós nunca tinha visto um telefone celular e nem a própria escola tinha um único computador, se pá.
Acredite, não foi o Facebook que criou o botão compartilhar, fomos nós, a gente compartilhava, lanche! Comprou na cantina, tinha que dividir, a gente socializava na marra mesmo.
“A maioria aqui não sabe o que que é comunismo
Mas sempre socializa o arroz com o vizinho
Reparte a miséria com carinho
Divide memo quando é pouquinho” (Inquérito)
Pode perguntar, tá o Peru, o Divac, o Gordo, o Laídio o Sandrinho, Jão e os caras que não me deixam mentir.
Nunca gostei de estudar… eu dizia. Não quer dizer que eu não fosse dedicado, disciplinado e não tirasse boas notas, principalmente em humanas e nos seminários. Só que sempre discordei do método decoreba de ensino e me recusava em martelar toda a lição na véspera da prova para esquecer dali dois dias.
Sinto que os momentos como o recreio, o basquete, a fanfarra, o rap, os trabalhos em grupo, as quermesses e os bailinhos na escola, me ensinaram mais que muitos professores e suas empoeiradas cartilhas.
Vivi para ver estudante pular o muro da escola não para matar aula, mas para ocupá-la e exigir: “Não feche minha escola, sr. Governador”.
Se não bastasse as toneladas de assinaturas de moribundas revista e jornais como estratégia para desincentivar a leitura e o pensamento crítico. Uma máfia, foi pega em flagrante. Porcos gordos que se alimentam de lama, a merenda das escolas.
Cadê a indignação dos paneleiros, cadê o povo que dizia que o dinheiro do torneio da Copa do Mundo deveria ir para educação, pra saúde? São contra a CPMF, passivos com a máfia do lanche e histéricos com os 3,80!?
Desde o tempo em que eu levava lancheira pra escola o governo é administrado pelo mesmo partido. O governador precisou se comprometer em desistir de fechar salas de aula para acabar com as ocupações, agora dissimulado ele retoma o plano dando lição de mau-caratismo. Os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, reagiram direito, com hostilização à sua presença.
Para os que frequentam as carteiras escolares um alerta. Faça o que eles não querem deixar, desliga o celular e se liga nos estudos. Temos um mundo pra consertar.
Toni C é autor dos livros: Sabotage – Um Bom Lugar, e do romance O Hip-Hop Está Morto, integrante do Conselho Nacional de Cultura na área de Livro, Leitura e Literatura, membro da direção da Nação Hip-Hop Brasil, diretor de cultura da ORPAS, diretor do coletivo LiteraRUA, e integrante do Portal Vermelho.
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.