Há um ano, o mundo se solidarizou e se mobilizou contra os atentados na cidade luz. Logo, o modismo dos perfis de redes sociais foi trocado pela imagem da bandeira francesa com os dizeres “Je Suis Charlie”. Assim também foi quando, em 2001, houve a queda das torres gêmeas pelos ataques terroristas. Devemos sim nos manifestar e repudiar atos como esses, mas a pergunta que faço é a seguinte: nossa indignação é seletiva?
Quantos souberam da atrocidade causada contra o indiozinho de 2 anos, em 30 de dezembro passado, na rodoviária de Imbituba, litoral sul de Santa Catarina, que foi barbaramente degolado no colo de sua mãe enquanto estava sendo amamentado? O assassino simplesmente desferiu o golpe em sua garganta com uma lâmina. Uma criança, indefesa, covardemente assassinada!
Vimos manifestações públicas? O país parou no simbólico um minuto de silêncio? A imprensa do mundo inteiro foi até Santa Catarina para reportar o ocorrido? Jornais estamparam em suas capas com letras garrafais? Não. E por quê? Talvez por ser Vitor, apenas mais um índio? Qual a relevância do povo Kaingang, não é mesmo? Vimos pequenas notas ao longo de jornais, ou breves chamadas nos noticiários e depois…tudo caiu no esquecimento. Prenderam o acusado e vida que segue.
Nossa seletividade vai contra aquilo que nos torna (ou pelo menos deveria nos tornar) humanos. O que nos difere de um índio? De um negro? De um mendigo? Nada. Absolutamente nada! Mas insistimos em nos diferenciar e nos afastar daqueles que não merecem nossa devida atenção.
Ficamos chocamos quando radicais terroristas degolam algumas dezenas de pessoas, ou quando refugiados sofrem para escapar de uma guerra. E por que não derramamos as mesmas lágrimas quando milhares de brasileiros morrem em disputas no campo, ou nas ruas? Em 2014, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário, foram assassinados 139 indígenas. Dados da Comissão Pastoral da Terra, revela que entre 1985 a 2014 ocorreram 29.609 conflitos no campo. A mãe desta pobre criatura, indefesa, disse uma frase que nos deve fazer refletir: “Se um indígena cortasse a garganta de uma criança branca o Brasil viria abaixo. Quero a mesma indignação pela morte do meu filho”.
E o que falar das mortes de moradores de ruas, seja pela fome, pelo frio ou por chacinas, que elevam ainda mais esses números. E os negros e pobres das periferias? Mas não nos importamos. Preferimos olhar para o Oriente, para o exterior, para a crise migratória da Europa, para onde a audiência da mídia nos mostra. Lá fora é mais importante?
No dia em que se completaram 7 dias da morte de Vitor, mais um indiozinho, de um ano, morreu. De fome, na aldeia de Kurussu Ambá. Nos últimos 10 anos, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena, a desnutrição foi a causa da morte de mais de 600 crianças indígenas – por sinal, metade da mortalidade infantil no país é ocupada por índios.
Somos uma nação mista em sua formação, com sangue de índios, negros, brancos e toda sua riqueza de diversidade. O preconceito e o ódio contra nossa própria cultura e formação, são abomináveis. Mas enquanto negarmos nossa própria violência e alimentarmos nossos preconceitos, o caminho até uma nação justa e solidária, será cada vez mais longo e tortuoso. Reflitamos sobre isso. E mais do que apenas refletir, mudemos nossa atitude e despertemos nossa compaixão para com o próximo. Só assim faremos valer o verdadeiro sentido de ser “ser humano”.
Luiz Padulla é biólogo, professor e responsável pelo blog Biologosocialista.
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