O mundo celebra o centenário de Billie Holiday

Neste ano comemora-se o centenário de nascimento de Billie Holiday, uma das mais importantes cantoras e compositoras do mundo. Uma história de vida comum como negra e pobre nos Estados Unidos. Nasceu Eleonora Fagan Couch, em 7 de abril de 1915, na Filadélfia. Sua mãe tinha 13 anos e o pai que contava com 15 anos. Ele largou a família logo. Cedo a menina se viu na obrigação de ajudar a mãe no sustento da casa. Aos 10 anos foi violentada sexualmente por um vizinho, e internada numa casa de correção para meninas vítimas de abuso. Aos 12, trabalhava lavando o chão de prostíbulos. Aos 14 anos, morando com sua mãe em Nova York, caiu na prostituição.

Suplantou a tragédia de sua vida com seu enorme talento como cantora e compositora. Billie tem uma trajetória muito comum aos negros no início do século. Iniciou sua carreira de cantora aos 15 anos quando foi tentar emprego de dançarina num bar. Dizem que no bailado era péssima, mas o pianista da banda se apiedou e pediu que ela cantasse algo para eles. Pronto, foi contratada. Tornou-se cantora de jazz sem nunca ter pisado numa escola de música. O gênero musical norte-americano possibilitou a ela soltar a voz que ela sabia utilizar como pouquíssimas cantoras. Começou acompanhando grandes bandas de jazz e acabou sendo acompanhada por eles posteriormente.

 Assista o documentário “Lady Day – os Estilos de Billie Holiday”, de Matthew Seig

Sua trajetória remonta a tantos outros afrodescendentes em todas as partes do mundo, quando o racismo era ainda mais contundente do que atualmente, se é que é possível que seja. Teve trajetória parecida com a do escritor brasileiro Lima Barreto, também negro, que fez carreira literária no início do século 20. Barreto superou suas mazelas com sua arte, assim como Billie com sua voz e suas composições. Ambos foram vítimas do preconceito e da discriminação. Não suportaram. Mas a história se encarregou de recuperar o talento do escritor que tem suas obras apreciadas mais e mais, mesmo que em vida não foi bem reconhecido e sucumbiu ao álcool e à indiferença da intelligentsia da época. A mesma coisa acontece com a cantora que mantém seu prestígio mesmo há 56 anos de sua morte. Ela morreu de overdose de drogas aos 44 anos de idade em 17 de julho de 1959.

“Sua voz e sua presença foram rapidamente consolidadas na cultura popular, o que a tornou a cantora mais influente do jazz em sua época e uma das cantoras mais apreciadas do século”, afirma o produtor executivo, Mikki Shepard. Billie Holiday deixou mais de uma centena de músicas gravadas, hipnóticas e encantadoras que continuam atuais. A mais famosa interpretação da cantora “Strange Fruit” (Fruta Estranha), de Abel Meeropol, é uma ácida denúncia das atrocidades racistas nos Estados Unidos e conta a história do linchamento de negros que depois tinham seus corpos pendurados em árvores: o fruto estranho. Jamais alguém conseguiu interpretar essa canção de protesto como ela.

Vídeo de Strange Fruit/Fruta Estranha (Abel Meeropol)

 

Letra

Southern trees bear strange fruit,
Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the gallant South,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

Here is fruit for the crows to pluck,
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.

Tradução

Árvores do sul produzem uma fruta estranha,
Sangue nas folhas e sangue nas raízes,
Corpos negros balançando na brisa do sul,
Frutas estranhas penduradas nos álamos.

Cena pastoril do heroico sul,
Os olhos inchados e a boca torcida,
Perfume de magnólias, doce e fresco,
E de repente o cheiro de carne queimada.

Aqui está a fruta para os corvos puxarem,
Para a chuva colher, para o vento sugar,
Para o sol secar, para a árvore pingar,
Aqui está a estranha e amarga colheita

Aos que tentavam rotular sua voz e timbre ela dizia com profunda humildade: “não acho que cante. Sinto como se tocasse uma buzina. Tentava improvisar como Les Young, como Louis Armstrong ou qualquer outro que admire. O que sai é o que sinto. Odeio simplesmente cantar. Tenho que mudar o tom para adaptá-lo à minha forma”. E ela podia mudar todos os tons do mundo. Billie Holiday assim como muitos outros superou suas dificuldades com seu talento e se impôs num mundo dominado pelo machismo e pelo racismo. E mesmo sucumbindo às drogas ela venceu a hipocrisia de uma sociedade doente. Tanto que depois de 100 anos de seu nascimento sua obra é lembrada e sua voz ainda encanta multidões, já seus detratores… Para se deliciar com esta voz ímpar que traduziu em seu canto a dor de um povo nem precisa saber inglês.

Por Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

Vídeo de Lady Sings the Blues, de Billie Holiday

 

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