Pela primeira vez desde a sua criação, em 1994, a Cúpula das Américas reunirá, entre esta sexta-feira (10) e sábado (11) no Panamá, todos os países do continente americano, marcando a inclusão do presidente cubano, Raúl Castro, entre os 35 chefes de Estado e de governo que integrarão a mesa de discussão.
Com as atenções voltadas para o encontro entre o líder cubano e o presidente norte-americano, Barack Obama, o fórum, idealizado por Bill Clinton na esteira do projeto fracassado da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), terá como principais temas da agenda de debate tópicos incômodos à diplomacia dos Estados Unidos: as sanções impostas à Venezuela, considerada uma “ameaça” à sua segurança; e as relações com Cuba, que permanece sob bloqueio econômico e parte da lista norte-americana dos países que patrocinam o terrorismo.
A ausência histórica de Cuba das seis últimas reuniões de cúpula se deu pois o bloco reúne os países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) — da qual a ilha foi expulsa em 1962, com a anuência de todos os países, à exceção do México, após a revolução socialista. Em 2009, após 47 anos de exclusão, Cuba foi readmitida à OEA, mas tem rejeitado seu retorno desde então.
Há três anos, na VI Cúpula das Américas, na Colômbia, os países latino-americanos concordaram em reivindicar em conjunto a presença de Havana no encontro seguinte — a discordância com os EUA fez com que a reunião de Cartagena em 2012 terminasse sem um documento final. A sinalização foi cumprida e o Panamá, que sedia o encontro diplomático de 2015, convidou Cuba a participar do evento.
Retomada das relações Cuba-EUA
Três anos após Cartagena, no centro das atenções em torno da cúpula, estão temas relacionados à retomada das relações bilaterais entre Estados Unidos e a ilha caribenha, como fora anunciado em 17 de dezembro.
Os Estados Unidos, no entanto, tinham a intenção de anunciar a reabertura da embaixada na ilha caribenha durante o evento, o que não ocorrerá porque Cuba se nega a levar adiante essas negociações enquanto permanecer na lista de países apoiadores do terrorismo. Apesar de o Departamento de Estado ter recomendado, nesta quinta-feira (09/04), que isso seja feito, não há previsão de quando o ato será concretizado.
A retirada de Cuba desta lista e o fim do bloqueio econômico e financeiro imposto ao país desde a década de 1960 são temas de consenso entre os latino-americanos que participam do evento, fato que contribui para o isolamento a que está submetida a nação norte-americana. Além disso, a controversa participação de opositores aos governos cubano e venezuelano, entre eles um dos assassinos de Ernesto “Che” Guevara e as esposas dos opositores venezuelanos Leopoldo López, Lilian Tintori, e Antonio Ledezma, Mitzy Capriles em fóruns preparatórios ao evento acirrou os ânimos e aumento as expectativas em torno de como se desenvolverão as conversas durante o encontro.
Venezuela e a agenda positiva
Apesar da resposta positiva à região com a integração de Cuba ao evento, os Estados Unidos, que esperavam uma agenda positiva de reaproximação com os demais países, após a criação de organismos integracionistas regionais dos quais não participa — como a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, criada em 2004), Unasul (União das Nações Sul-Americana, fundada em 2007) e Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, em 2011) — terá desafios, como manter os temas relativos à Venezuela longe das discussões.
Após ter anunciado sanções contra funcionários do governo do presidente Nicolás Maduro e ter declarado que o país representa uma “ameaça não usual e extraordinária à segurança do país”, os Estados Unidos envolveram-se em mais um tema que gera controvérsia na região.
Por esta razão, analistas consideram que este tema, e não Cuba, deverá dominar a pauta. Isso porque há um consenso na região de que a Venezuela não constitui uma ameaça aos Estados Unidos, posição que deixou novamente os Estados Unidos isolados, a ponto de a subsecretária de Estado, Roberta Jacobson, ter declarado que seu país foi “incompreendido”. Além disso, o teor do acordo justifica o temor de que esse tipo de classificação possa servir como justificativa para uma intervenção militar na região, apesar desse cenário ter sido desmentido por funcionários norte-americanos.
Neste contexto, Maduro pretende entregar a Obama mais de 13 milhões de assinaturas coletadas em todo o subcontinente contrárias ao decreto presidencial firmado por Obama. Isso após os dois fóruns internacionais mais representativos: Unasul e Celac, terem declarado, de forma unânime, oposição à resolução.
Diálogo
Apesar do contexto, o clima não é de rechaço a Obama ou aos Estados Unidos. De acordo com o doutor em Ciências Sociais e escritor Luis Suárez Salazar, especialista em temas relacionados à América Latina, em entrevista ao jornalista Fernando Ravsberg, haverá temas que interessam a todos negociar em bloco com os Estados Unidos e Canadá. “Será um espaço de negociação entre o sul e o norte do continente”, afirmou.
Entre outros pontos de vista comuns para a região estão, além do caso da Venezuela, a contenda da Argentina contra os fundos abutres e o atrito do país com o Reino Unido em torno da soberania das ilhas Malvinas, além da política contra o narcotráfico que não tem surtido o resultado desejado. “Não se trata de fechar a porta na cara de Obama, mas de negociar com ele nos pontos que já há consenso na América Latina”, ressaltou Salazar.
Outro foco de interesse será o encontro entre Obama e a mandatária brasileira, Dilma Rousseff, que ocorrerá no dia 11. Isso porque após o vazamento de denúncias de que líderes mundiais, incluindo Dilma, haviam sido espionados pelo governo norte-americano, as relações entre os governos ficaram estremecidas. Integrantes do Mercosul manifestaram, à época apoio ao Brasil. A contenda envolvendo a Bolívia e o Chile pela reivindicação de uma saída soberana do país mediterrâneo ao Pacífico também estará na pauta.
Por Vanessa Martina Silva, no Opera Mundi