Dono da terceira maior população carcerária do mundo, país prefere debater redução da maioridade penal a ressocialização. Como jogos de tabuleiro, o debate político, vez por outra, faz o participante retroceder.
O Brasil, nos últimos tempos, parece ter empacado numa daquelas combinações de dados e cartas que impõem ao jogador a marcha a ré. Ainda ontem [31/3], a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara decidiu, por 42 votos a 17, levar adiante a tramitação da chamada PEC da Maioridade Penal.
O governo do Rio, como parte do redesenho do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), anunciou que erguerá na Maré torres blindadas de observação. É proposta que aproxima o conjunto de favelas mais do sistema carcerário, menos da vida comunitária. No mês passado, um menino de 6 anos, após roubar o cordão de uma mulher, foi levado à delegacia e fotografado por policiais com o rosto virado para a parede. “Volte sete casas”, exigiria o jogo.
A violência urbana cresce Brasil afora e, com ela, multiplicam-se propostas cada vez mais radicais para combatê-la: armas de guerra, detenção e ocupação militar. A população carcerária nacional é a terceira maior do planeta (atrás de EUA e China), com 715 mil detentos em penitenciárias ou prisão domiciliar. E o sistema nem recupera nem ressocializa; a reincidência é quase certa. O país prende e mata demais. Está entre os líderes mundiais em homicídios. Morrem cerca de 60 mil por ano; mais da metade, antes dos 24 anos.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014 informa que o país gastou, no ano anterior, R$ 258 bilhões com custos sociais da violência (perdas humanas e segurança privada), polícias e encarceramento. O montante passa de 5% do Produto Interno Bruto. Sobra dinheiro para repressão. Falta verba para a recuperação de detentos e menores infratores. Prisões e unidades socioeducativas, segundo o anuário, receberam só R$ 4,9 bilhões.
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que, a partir dos 12 anos, o menor pode ser responsabilizado por crimes e ser punido com advertência, semiliberdade, liberdade vigiada ou internação por até nove anos. Nada disso é testado, porque as unidades socioeducativas estão superlotadas, não oferecem formação nem atividades esportivas, carecem de funcionários e de equipes para acompanhamento familiar. “Não conseguimos implementar um sistema adequado e já estamos discutindo a maioridade penal aos 16. Igualados a adultos, os adolescentes vão conviver com grandes criminosos nos presídios. A violência, infelizmente, vai aumentar”, diz Maíra Fernandes, presidente do Conselho Penitenciário do Rio.
Dos 20 mil adolescentes em medidas socioeducativas, 11% cometeram crimes contra a vida. A esmagadora maioria é apreendida por tráfico de drogas ou roubos e furtos. De 2006 a 2012, segundo o Unicef, 33 mil brasileiros de 12 a 18 anos foram assassinados. Neste ritmo, de 2013 a 2019, o país perderá mais 42 mil. Os meninos que o Brasil quer desprezar, um dia, farão falta.
Flávia Oliveira é jornalista carioca, colunista do jornal O Globo.
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