O verme que está no ovo da serpente mexeu-se no último domingo (15). O fascismo larvar que existe na sociedade brasileira deu um forte sinal de vida. Mas nem todos os que foram às ruas no domingo são fascistas ou simpatizantes do fascismo, como mostra a pesquisa do Datafolha, divulgada nesta terça-feira (17).
Quem saiu às ruas no domingo, ou acompanhou a manifestação pela televisão (em São Paulo há notícias de que ela despertou mais interesse do que a Copa do Mundo) pode assistir cenas chocantes de falta de educação, grosseria e intolerância. Um canal de televisão exibiu, por bom espaço de tempo, um grupo de baderneiros do Rio de Janeiro berrando para as câmaras: “Dilma, vai tomar no…”.
A expressão chula repetida em vários lugares (como na avenida Paulista, em São Paulo) e mesmo exibida despudoradamente em camisetas substituiu os black-blocs nesta manifestação. Foi expressão de despolitização e do ódio às mudanças democráticas que ocorrem no Brasil desde 2003 despertam na direita.
“Vai tomar no …” não é bandeira política nem palavra de ordem. É o urro animalesco da direita que quer de volta o Brasil antigo de seus privilégios, como foi dito em faixas e cartazes, muitas vezes em inglês…
A midia hegemônica e conservadora fez de tudo para inflar o traço golpista da manifestação. Extasiou-se com o número lendário criado pela PM do governador tucano Geraldo Alckmin, mesmo depois de desmentido pelo próprio Datafolha (a PM falou em um milhão, o Datafolha em 210 mil pessoas).
Essa disputa de números não é o mais importante. O relevante é que eles registram a indignação de muitos brasileiros com as noticias de corrupção amplamente divulgadas por aquela mesma mídia conservadora.
A pesquisa do Datafolha ajuda a entender a disposição popular nesta conjuntura política contratória em que a luta de classes se aprofunda.
A direita levou às ruas, no domingo. boa parte de seus simpatizantes. Mas a pesquisa mostra que ela conseguiu mobilizar também setores da classe média que, incomodados com as denúncias da Operação Lava Jato, podem ser atraidos outra vez para o projeto de mudanças iniciado em 2003. São setores que querem mais, e mais profundas, mudanças. Setores que, nesse sentido, podem ir adiante do projeto direitista de retorno ao passado anterior a 2003.
Esse projeto que assanha – e é patrocinado – por empresas imperialistas, como sempre ocorreu no Brasil. Uma reportagem publicada na revista Fórum mostra que o Movimento Brasil Livre, um dos organizadores do protesto, é financiado pela família Koch, dona da segunda maior empresa privada dos EUA, com faturamento anual de US$ 115 bilhões. Entre seus inúmeros interesses está o petróleo e eles se envolveram em várias partes do mundo em escândalos ligados ao setor.
A pesquisa divulgada nesta terça-feira (17) pelo Datafolha foi feita em São Paulo durante as manifestações nos dias 13 e 15 de março.
Na sexta-feira (13) – por coindência a data em que, há 51 anos, houve no Rio de Janeiro o famoso Comício da Central do Brasil pelas reformas de base – ocorreu em São Paulo a manifestação convocada por centrais sindicais e movimentos populares contra o impeachment, o golpismo e em defesa do governo, da Petrobras e da reforma política.
No centro financeiro de São Paulo, e sede do capitalismo brasileiro, 71% das pessoas que lá estavam votaram em Dilma Rousseff no segundo turno da eleição no ano passado, e 39% preferem o PT como partido político; 18% defendem a Petrobras, 20% querem a reforma política e 25% não aceitam a redução dos direitos dos trabalhadores.
A presença do proletariado foi forte; entre eles, o maior número (38%), ganha até três salários mínimos, enquanto 24% ganham até cinco mínimos; na outra ponta, 2% tem renda igual ou superior a 20 mínimos.
Isto é, entre eles predominam as pessoas com renda mais baixa – 62% ganham até cinco mínimos mensais.
No domingo, dia 15, quem protestou na Avenida Paulista tinha perfil diferente. Predominaram os eleitores do tucano Aécio Neves no segundo turno da eleição: 82% dos manifestantes. Mas menos da metade (37%) indicou preferência pelo PSDB. O principal contingente, quase metade do total (47%), foi às ruas contra a corrupção; pouco mais de um quarto (27%) quer o impeachment da presidenta, um quinto (20%) declaram-se contra o PT e menos ainda (14%) são contra os políticos.
O dado interessante é o predomínio, na manifestação de domingo, de pessoas com renda mais alta, indicando a provável presença da classe média. A minoria tem renda inferior a três salários mínimos (14%); a maior parte (27%) está entre cinco a dez mínimos, seguidos por quem ganha entre 10 a 20 mínimos (22%) ou mais de 20 mínimos (19%). Isto é, 68% tem renda superior a cinco salários mínimos mensais.
Se estes dados mostram forte diferença entre os dois grupos de manifestantes, há entre eles semelhanças que não podem ser desconsideradas. A primeira delas é a alta escolaridade: os manifestantes com curso superior eram 68% no dia 13, a favor do governo, e 76% no dia 15, contra a corrupção. Outra identidade entre eles é muito significativa. São amplamente favoráveis á democracia: 86% na sexta-feira e 85% no domingo.
Os dados do Datafolha sobre a manifestação do dia 15 indicam que um enorme contingente de pessoas de classe média revela forte descontentamento mas eles podem ser reconquistados para o projeto de mudanças em curso no Brasil.
O ódio fascista contra o povo e as mudanças democráticas contamina uma minoria que, embora expressiva, talvez chegue a um terço dos manifestantes. A grande, imensa, maioria, é formada pelos que defendem a democracia. É uma parte muito grande da população, que esteve nas duas manifestações.
Os números do Datafolha indicam a urgência em se aprofundar, no país, a aliança de todos os setores populares, progressistas e democrático da sociedade brasileira. Aliança para criar a base social sólida que permita a realização das mudanças que o país exige para consolidar e aprofundar a democracia. É preciso ouvir atentamente a voz das ruas.
O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo chamou a atenção para isso ao pregar a formação de uma “frente ampla, agora e já”, como “tarefa das lideranças do conjunto dos partidos da base aliada, e mesmo de personalidades da sociedade civil que apoiem ou não o governo, mas que tenham afinidade com as bandeiras acima assinaladas, dentre outras. A esquerda, sem abdicar de sua pauta, deve se empenhar ao máximo por esse empreendimento mais candente.”
A luta de classes ocupa os cenários, mas ela não opõe brasileiros contra brasileiros: ela opõe brasileiros do setor produtivo, do emprego e do trabalho, contra a extrema minoria dos que tem ganhos parasitários na especulação financeira e são aliados do imperialismo. Aliança que, até recentemente, infelicitou o país e os brasileiros.
José Carlos Ruy é jornalista e historiador. Artigo originalmente publicado no Portal Vermelho.
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