No começo da noite de 13 de março de 1964, o professor de sociologia Fernando Henrique Cardoso formava entre a multidão que participou do comício, com direito a discurso de João Goulart, diante da Central do Brasil.
Dezenove dias depois, um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional Jango, ferindo a democracia e inaugurando uma ditadura que se prolongaria por 21 anos.
FHC, mais tarde senador, ministro e por dois mandatos presidente da República, conhece história. Tirando tropeços como falar “própio” e “propiamente”, em vez de “próprio” e “propriamente”, ninguém pode chamá-lo de ignorante. É um homem ilustrado, além de cortês e afável.
Nesta quarta-feira, um dos melhores repórteres do país e um dos mais talentosos editores culturais que eu conheci, Mario Cesar Carvalho, trouxe novidade: foi um advogado de Fernando Henrique Cardoso e integrante do conselho do Instituto FHC quem pediu um parecer ao jurista Ives Gandra da Silva Martins sobre pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Martins contou ontem o que escrevera: “À luz desse raciocínio, exclusivamente jurídico, terminei o parecer afirmando haver, independentemente das apurações dos desvios que estão sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público (hipótese de dolo), fundamentação jurídica para o pedido de impeachment (hipótese de culpa)”.
Até aí, morreu Neves – ou Getulio Vargas, em 1954, acossado pelo golpismo. O advogado afirma que não encomendou o parecer por ordem de FHC, e assim ficamos.
O mais impressionante é a declaração do ex-presidente sobre eventual afastamento da presidente eleita pela maioria dos brasileiros em outubro: “neste momento”, disse FHC, o impeachment “não é uma matéria de interesse político”.
Por que “neste momento”? Em outro será? Com base em quê?
Não há uma só prova ou indício de envolvimento de Dilma Rousseff em falcatruas da Petrobras.
Ao contrário do que se descobriu com o grampo que flagrou Fernando Henrique operando na privatização das empresas telefônicas.
Ou do episódio da compra de votos para a emenda da reeleição, esquema que beneficiou o então presidente, permitindo que ele permanecesse no Planalto.
O golpismo vulgar anda por aí, mais na imprensa viúva do lacerdismo e em certos círculos avessos à soberania do sufrágio popular.
Mas FHC dar a entender que pode se unir a essa gente é triste.
No domingo, foi publicado um artigo do líder tucano que dizia assim: “Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais. Resta, portanto, a Justiça”.
Justiça para apear do poder uma governante escolhida pelo povo?
Não custa enfatizar: de momento, há apenas bochicho de almas golpistas, e não marcha da família.
Mas o flerte de Fernando Henrique Cardoso com elas não engrandece sua biografia.
Mário Magalhães é jornalista e blogueiro.
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