Dois momentos singelos da política brasileira, no domingo, resumem o filme: mais do que nunca, somos reféns do Centrão. Aquele mesmo, do Sarney, agora revigorado pelo lobista Eduardo Cunha.
Lobista. É assim que se refere a ele o blogueiro Altamiro Borges.
Cunha foi o lobista das empresas de telefonia para detonar o Marco Civil da Internet, é lobista dos barões da mídia para bloquear a regulação do setor e será lobista das empreiteiras para garantir que a Operação Lava Jato não atrapalhe futuros negócios.
O novo presidente da Câmara dos Deputados é, na verdade, apenas a correia de transmissão do baixo clero, aquele que está na política essencialmente para inflar o patrimônio pessoal.
Se não fosse trágico, seria irônico constatar que deram nisso as gigantescas manifestações de junho de 2013.
Remando contra a maré, escrevi que Dilma Rousseff tinha acertado ao incluir Kátia Abreu e Joaquim Levy em seu ministério. Acertou, enfatizo, do ponto-de-vista de sua própria sobrevivência política.
Presumi que a presidente tinha feito seu cálculo considerando a vitória magra nas eleições de 2014, a redução da bancada do PT, a Operação Lava Jato e as turbulências na economia internacional.
Com Kátia, Dilma se aproximou do agronegócio; com Levy, dos banqueiros. Dois setores que se mostrarão fundamentais para enfrentar a voracidade de Eduardo Cunha e aliados.
A derrota do governo no Congresso foi monumental. Foram 375 votos de oposição na Câmara! Uma lavada que, em tempos normais, seria suficiente para derrubar toda a “desarticulação política” do governo Dilma.
As consequências?
Lamento discordar mais uma vez da maioria, mas não acredito que está aberta a porta para o impeachment de Dilma.
Se a presidente pretendeu um dia ser mais que uma gerente, que desista. Ela vai gerenciar pelos próximos quatro anos.
Estão enterradas a união civil de pessoas do mesmo sexo, a regulação da mídia eletrônica, o imposto sobre fortunas, o financiamento público de campanhas e qualquer outro projeto progressista com os quais os eleitores de Dilma um dia sonharam.
Seria um arroubo retórico dizer que aquela Dilma que derrotou Aécio Neves foi apeada do poder. Menos. Porém, pelos números de domingo está claro que os conservadores emplacarão suas propostas no Congresso com maior facilidade que o Planalto.
O baixo clero quer dinheiro, venha de onde vier. Dinheiro do Tesouro, para tocar projetos em suas bases políticas e enriquecimento pessoal. Dinheiro de empresários, para campanhas de reeleição e enriquecimento pessoal.
Uma nova CPI da Petrobras será a faca no pescoço de Dilma para extrair concessões, mas as empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato são grandes financiadoras de campanhas e duvido que já não estejam assoprando nos ouvidos do baixo clero.
É óbvio que Aécio Neves, FHC e Geraldo Alckmin vibraram com a espetacular derrota política de Dilma, mas Eduardo Cunha não é ingênuo de entregar de mão beijada ao tucanato os louro$ de sua vitória.
O PMDB, qualquer um deles, nunca fez questão de governar diretamente, desde que tenha acesso aos cofres.
O enfraquecimento do PT no Parlamento terá, obviamente, consequências políticas.
Lula, se quiser de fato concorrer em 2018, dependerá da reeleição de Fernando Haddad em São Paulo. Ao que parece, é aqui que o ex-presidente monta sua base de olho no futuro.
O que fará Marta Suplicy? Com o governo em frangalhos no Congresso, a resposta torna-se agora mais importante.
Enfraquecido no Parlamento, escanteado no interior do governo Dilma, o PT caminha para se tornar o Partido Socialista Operário Espanhol. O PSOE assumiu com gosto a tarefa de carregar o neoliberalismo na Espanha, em meio a uma profunda crise econômica, e encolheu a ponto de não ter qualquer chance nas eleições deste ano.
O PT é menos conservador e mais relevante para a política brasileira que o PSOE na Espanha.
Porém, serão mais quatro anos de massacre cotidiano na mídia. Depois do mensalão, o petrolão. Bombardeio ininterrupto, corrosivo, uma avalanche que encobre qualquer recorde de desemprego em baixa – como se viu nas capas das revistas semanais que circulam.
Em retrospectiva, não ter tratado da democratização dos meios de comunicação terá sido o maior dos imensos erros do PT e de suas lideranças. Chávez fez. Evo fez. Correia fez. Cristina fez. Mujica fez. Lula, Dilma e o PT, não fizeram.
Agora pagam a consequência política.
Do ponto-de-vista econômico, a corda vai arrebentar outra vez no lombo dos mais fracos.
Se a própria Dilma, ao abraçar a austeridade, endossou cortes orçamentários que prejudicam os trabalhadores – a ideia de que foi primariamente para combater fraudes é infame –, o que não dizer de Eduardo Cunha e seu bloco, sob o patrocínio dos grandes interesses, sem qualquer compromisso que não com o próprio bolso?
Será que aquele projeto que prevê terceirização generalizada agora anda?
Para os movimentos sociais, só resta uma alternativa: rua.
Luiz Carlos Azenha é jornalista e blogueiro.
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