As mulheres já são maioria nas universidades brasileiras. Combater o machismo no ambiente acadêmico, contudo, segue sendo um desafio. As notícias de violência contra as estudantes dentro das instituições de ensino têm se multiplicado.
A USP, por exemplo, maior instituição pública do país, tem sido espaço de muitas denúncias. Em setembro deste ano, uma estudante da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas denunciou uma tentativa de estupro. Ela vinha recebendo bilhetinhos anônimos e foi abordada com violência no estacionamento por um homem que não conseguiu identificar. Ela só conseguiu escapar porque acionou a buzina do carro insistentemente.
Recentemente, chamou a atenção de todo o país uma audiência da Assembleia Legislativa de São Paulo em que duas jovens afirmaram terem sido estupradas em festas organizadas por veteranos de medicina da principal universidade paulista. Em decorrência destas denúncias, foi aberto um inquérito pelo Ministério Público Estadual para investigar casos de violência sexual e agressão às mulheres e homossexuais na Faculdade de Medicina da USP.
Além do trauma, medo e vergonha – a culpabilização das vítimas é frequente – as mulheres que sofrem violência sexual têm dificuldade de encontrar testemunhas. Não existem estatísticas sobre o tema em universidades brasileiras, mas os casos se repetem em agressões cometidas pelos próprios estudantes e por pessoas de fora da instituição, que entram no campus por falta de segurança. As universidades, portanto, também são responsáveis.
Nos Estados Unidos, em maio, o Departamento de Educação divulgou uma relação de 55 universidades e faculdades norte-americanas investigadas por suspeita de não cumprirem a lei ao lidar com denúncias de violência, abuso sexual ou assédio sexual. A lista inclui universidades mundialmente famosas, como a Faculdade de Direito de Harvard e Harvard College, assim como as universidades de Berkeley, Princeton, entre outras.
Há alguns meses, uma estudante da universidade de Columbia desfilou pela faculdade com o colchão onde sofreu violência sexual dentro da instituição para chamar a atenção para o caso, depois que a direção da universidade considerou inocente o acusado, um colega de quarto da estudante.
Muitos consideram uma “epidemia” o número de agressões sexuais nos campi. Nos EUA, segundo dados das próprias universidades, uma em cada cinco estudantes já foi atacada, mas só 12% denunciaram. Na Califórnia, existe uma lei inédita que obriga todas as faculdades a terem uma política contra agressões sexuais – e as universidades que se negam podem deixar de ganhar repasses de verbas do governo. Algumas já adotaram medidas para orientar os estudantes de que os espectadores têm o poder e o dever de intervir em situações que podem vitimar as mulheres.
Nota-se, portanto, que este não é um problema exclusivo do nosso país, mas o reflexo da cultura machista que prevalece na sociedade contemporânea. Nós, mulheres, conquistamos o direito de trabalhar fora de casa, mas ainda recebemos salários inferiores ao dos homens. Chegamos à chefia de grandes empresas e postos políticos importantes, inclusive na presidência da República, mas ainda sofremos com estereótipos que ridicularizam nossa presença nos espaços de poder. Tornamo-nos maioria na universidade, mas ainda carecemos de políticas de permanência, saúde e segurança que se voltem especificamente para as mulheres.
Todos devem ter consciência de que zelar pela integridade das estudantes deve ser papel da instituição, dos homens e das mulheres dentro das universidades. Combater o machismo com atitudes diárias, seja no dia-a-dia das aulas ou em festas e ambientes de descontração, é o caminho para que as mulheres não se sintam ameaçadas. Por isso é necessário que se ampliem em âmbito nacional as delegacias de proteção à mulher e as punições aos agressores. No contexto das universidades, precisamos criar órgãos específicos que sejam responsáveis pela apuração de todos os casos e pelo amparo psicológico às estudantes vitimadas.
A segurança dentro dos campi é assunto frequente na reivindicação do movimento estudantil. É preciso uma solução séria e eficiente para o tema: nem a truculência da Polícia Militar, nem a inanição da guarda patrimonial. Queremos acender o debate sobre o retorno da guarda universitária aos quadros da universidade, para que haja um corpo de segurança especialmente treinado para este ambiente e que possa assegurar a defesa social da comunidade acadêmica.
Precisamos também melhorar a infraestrutura do campus: ocupar com inteligência e segurança os espaços e reforçar o sistema de iluminação para os estudantes que estudam à noite. Avançar nas políticas de assistência estudantil para melhorar as condições de vida e aprendizado de todos os estudantes também é fundamental, com creches e assistência médica e psicológica inserida nos planejamentos das instituições.
O movimento estudantil se mantém na linha de frente do combate a qualquer tipo de opressão contra as mulheres: somente na luta cotidiana contra o machismo poderemos mudar essa realidade de medo e violência e construir uma sociedade igualitária e fraterna, onde todos e todas possam viver plenamente a sua diversidade.
Virgínia Barros, presidenta da União Nacional dos Estudantes
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