Com a alma lavada depois da vitória de Dilma sobre um dos maiores massacres midiáticos da história republicana e uma onda de ódio conservador sem precedentes, é preciso interpretar corretamente o recado das urnas e valorizar as forças e os atores sociais que emergiram da mobilização da campanha eleitoral. Só assim será possível reinventar o governo, sintonizando-o com a demanda das ruas. O modelo seguido até aqui, através do qual a criação das condições de governabilidade praticamente se limita aos acordos com partidos e suas bancadas no Congresso Nacional, se esgotou.
Não que o novo governo da presidenta Dilma deva abdicar da construção de uma sólida maioria parlamentar. O apoio consistente no Congresso é fundamental tanto para a aprovação dos projetos de interesse do governo como para impedir aventuras golpistas, ainda mais agora quando setores da oposição derrotada falam abertamente em terceiro turno, o que, na prática, é uma uma tentativa de inflar o caso Petrobras, a ponto de criar embaraços institucionais para o governo no Congresso. Isso posto, a eleição deixou claro que os requisitos de governabilidade emanados das urnas são de outro tipo.
Eles têm a ver com as reivindicações dos movimentos sociais que se aproximaram de Dilma na campanha, embora sejam críticos do seu governo, a partir da compreensão do retrocesso para o país que significaria um eventual governo tucano, com enorme potencial para provocar uma verdadeira tragédia social no Brasil.
Outro fenômeno dessas eleições não pode passar despercebido. Há muito não se via tantos jovens em eventos de campanha do PT, no Rio de Janeiro e em todo o Brasil. Esse talvez seja o saldo mais positivo da campanha. Uma parte considerável dos jovens das tais jornadas de junho de 2013 passou olhar o PT outra vez com esperança. O governo e o partido podem estar diante da chance derradeira de reconstruir pontes com a juventude. Isso é essencial para o presente e estratégico para o futuro.
Nas entrevistas concedidas às emissoras de TV na noite desta segunda-feira, a presidente apontou como focos prioritários do seu governo os jovens, as mulheres e os negros, mantendo a atenção especial aos mais pobres e à inclusão social. Não esqueceu também de citar entre suas metas mais importantes a educação, a produtividade, a inovação e o incentivo ao empreendedorismo. Muito bem, mas só com o apoio das ruas e dos movimentos o governo terá como enfrentar e vencer o avanço do pensamento conservador e reacionário na sociedade, notadamente localizado nas classes média e alta.
No discurso da vitória, a presidenta reafirmou seu compromisso com a reforma política, com plebiscito popular. Acertou em cheio.No entanto, antes que a reforma aconteça e produza seus efeitos arejadores e democráticos na vida política do país, o governo só vai conseguir se impor diante de um parlamento de perfil ainda mais conservador se apostar na mobilização popular. E o PT tem um papel decisivo nessa virada.
A oposição, se sentido fortalecida pelos 50 milhões de votos de seu candidato, certamente buscará alianças pontuais no parlamento com a banda fisiológica dos partidos aliados., visando emparedar o governo. Se deixar aprisionar por manobras chantagistas congressuais seria um grave erro, que reduziria sobremaneira as chances de o governo cumprir os compromissos assumidos em praça pública. O desafio, portanto, é fazer da participação popular a mola mestra da governabilidade. Pouco importa se a mídia mais asquerosa do planeta chame isso de chavismo.
Por falar em mídia, atenção presidenta : novo marco regulatório das comunicações agora e já !
Bepe Damasco é jornalista.
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