Dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que a indústria cinematográfica nacional está de vento em pompa. Foram realizados 129 filmes em 2013, recorde absoluto dos últimos 30 anos. Para 2014, estima-se 136 filmes lançados. Segundo a Ancine, desde 1986 que o Brasil não ultrapassava 100 películas nas telonas. Tão importante quanto a quantidade de obras oferecidas refere-se ao substancial aumento de público das obras nacionais. Mesmo com todas as dificuldades de competir com filmes estrangeiros, essencialmente norte-americanos, o público tem se voltado cada vez mais às produções nacionais.
Depois da penúria dramática causada pelo governo do ex-presidente Fernando Collor (1990-1992), quando a produção de filmes beirou zero no país com a extinção sem aviso prévio da Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima, que financiava as produções nacionais. Após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, a cinematografia vem numa onda crescente de produções diversificadas de estilos e temáticas, como é a vida nacional. Como se vê, em 2002 (último ano dos oito dos mandatos de Fernando Henrique Cardoso) as telonas viram 29 obras nacionais. No ano passado o cinema nacional arrecadou R$ 1,7 bilhão e saltou para 129 e até 27 de agosto deste ano já foram lançadas 66 películas no circuito comercial.
Com o investimento em audiovisual em alta, o preconceito contra o cinema brasileiro forjado há décadas começa a ruir aos poucos. Nota-se o fato pelo crescimento de público nas salas exibidoras de filmes nacionais. Em 2002 era pouco mais de 7 milhões de espectadores, no ano passado se aproximaram dos 28 milhões. No mesmo período, passamos de 1,6 mil para 2,7 mil salas de cinema, inclusive com a instauração de projetos de “cinemas de rua”, fora de shoppings centers. Segundo o produtor Paulo Boccato, “a indústria está se consolidando estruturalmente, porque o dinheiro está voltando para a nossa indústria, temos cada vez mais filmes brasileiros lançados por distribuidores brasileiros”.
As novas políticas do audiovisual têm proporcionado ganhos de mercado às produtoras independentes e o monopólio vai perdendo substância na medida em que outros centros de produção vão sendo criados fora do eixo Rio-São Paulo. Com tudo isso, muitas obras encontram dificuldade em chegar ao público, principalmente a quem não tem acesso aos grandes centros. Muitos filmes de qualidade não permanecem por tempo exíguo no circuito comercial não ficam em cartaz mais do que um fim de semana e muito mais raramente conseguem ser exibidos em mais de uma sala por vez nas grandes redes de exibição pelo país afora, sem a intensa divulgação dos filmes norte-americanos. O pernambucano “tatuagem”, de Hilton Lacerda, ganhador do Kikito de melhor filme no Festival de Gramado de 2013 teve público de apenas 30.428 pessoas. O documentário “A Música Segundo Tom Jobim” (2011), de Dora Jobim e Nelson Pereira dos Santos, atingiu somente os pares de olhos de 74.901 amantes da MPB. Isso comprova a necessidade de financiamento para manter o cinema brasileiro vivo porque essas produções, apesar do pouco apelo comercial, temperam a cinematografia nacional e lhe dão destaque.
O que também impede uma competição à altura é a má distribuição das obras nacionais. Outro problema refere-se ao financiamento dos filmes. Mas, associada à visão comercial (e colonialista) da mídia nativa, que deixa nossos filmes a ver navios afundando suas bilheterias, a concorrência é pesada. Nessa disputa o cinema brasileiro procura seu caminho para sobreviver e conquistar o público. Parte da dificuldade é explicada pela questão mercadológica; porém, outra parte consiste ainda na predominância de um arraigado preconceito contra a produção nacional, o que lhe dificulta ainda mais a difusão dos filmes nacionais.
Apesar dessas atenuantes que a Ancine trabalha para superar, no ano passado nove obras brasileiras ultrapassaram 1 milhão de espectadores e 24 superaram os 100 mil, o que por si só já mostra uma mudança. No livro “Como Ver um Filme”, da crítica especializada Ana Maria Bahiana, consta um dado revelador do drama vivido pelos cineastas brasileiros. Em média os filmes de Hollywood têm um orçamento de 70 milhões de dólares, enquanto o custo médio de uma produção nacional gira em torno de 1,5 milhão de dólares. Ao passo que é muito comum ver-se grandes produções internacionais em quatro ou mais salas de uma vez só, em versões dubladas, legendadas ou 3D, exibidas durante semanas, com ampla divulgação pela mídia através de peças publicitárias ou matérias jornalísticas.
Diversidade brasileira nas telonas
Na quinta-feira (18), a ministra da Cultura, Marta Suplicy, ao anunciar o candidato para representar o Brasil na disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, do estreante diretor Daniel Ribeiro (ver box abaixo), disse que a escolha recaiu sobre esta obra por ela não ter a cara do Brasil. Segundo Marta, o filme poderia se passar em qualquer parte e por isso seria universal. Engana-se a ministra ao retomar antiga discussão que opõe regionalismo a universalidade de uma obra. Qualquer expressão artística e cultural adquire caráter universal ao levar o público a reflexões sobra a vida, o mundo, o indivíduo ou até sobre si mesmo. Nenhuma temática é proibida.
O cinema em todas as partes sempre contou com filmes de entretenimento e obras de autor, sendo que muitas vezes a linha divisória entre essas duas formas fica dificultada porque alguns filmes permanecem nesse limiar entre uma forma e outra. No caso brasileiro a cinematografia vem trilhando o caminho da diversidade tanto estética quanto temática. Misturando técnicas hollywoodianas com influências do Cinema Novo (movimento que solidificou o cinema nacional os anos 1950/60 com produções mergulhadas na alma do brasileiro). E para se contrapor às críticas costumeiras ao nacional, veiculadas pela velha mídia, o cineasta Cacá Diegues (remanescente do Cinema Novo) disse que “não existe no mundo nenhuma arte nacional feita só de obras-primas”. Com propriedade Diegues afirma que “talvez estejamos vivendo o período mais fértil da história do cinema brasileira”.
“Vidas Secas” (1963), adaptação da obra homônima de Graciliano Ramos, feita pelo diretor Nelson Pereira dos Santos, é demonstração cabal de uma obra regional tornar-se universal por referir-se à luta do camponês pela posse da terra e do homem para superar a aridez das relações humanas buscando afirmar a sua humanidade. Por isso, o filme fez grande sucesso inclusive na China. Além de obras com “Terra em Transe” (1967), de Glauber Rocha, uma parábola sobre o Brasil, elogiado no mundo inteiro por ser universal ao refletir sobre as mais importantes questões da vida. Isso somente no Cinema Novo.
Os filmes brasileiros do século 21 trilham as temáticas do mundo contemporâneo. O último filme brasileiro a ser escolhido pela Academia de Hollywood foi “Central do Brasil”, em 1999. Mesmo com toda a sua reconhecida qualidade a obra de Walter Salles perdeu para o italiano “A Vida É Bela” (1997), de Roberto Benigni. Mesmo não levando a estatueta, Central registra a marca do atual cinema autoral brasileiro em atingir o grande público com novas técnicas e abordagens contemporâneas.
Como diz a jornalista e crítica Ana Maria Bahiana, “todo filme é criado do começo ao fim, para conversar com você. Essa conversa pode ser uma sedução, uma piada, uma provocação, uma discussão, um berro, um abraço, um desafio, uma agressão, um enigma”. As telonas brasileiras cada vez mais mostram obras nacionais com a cara multifacetada do Brasil e do brasileiro.
A sétima arte conquista adolescentes
A escolha do longa “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” reforça o implemento de produções nacionais voltadas ao público adolescente. Essa novidade tem ajudado a aumentar o público e a diminuir o preconceito em relação à cinematografia nacional. Películas como “As Melhores Coisas do Mundo” (2010), de Laís Bodanzky, já se volta aos adolescentes com temas como homossexualidade, drogas e suicídio. “O Homem do Futuro” (2011), de Cláudio Torres, inova ao mesclar comédia com ficção científica e discute a questão do tempo e a influência que a escola exerce sobre os mais jovens principalmente, além de mostrar as mudanças do Brasil atual sem pedantismo. Entre muitas outras obras.
Baseado no curta-metragem de mesmo nome, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” traz a história de adolescentes com delicadeza e simplicidade. Os personagens centrais, vividos por Guilherme Lobo, Tess Amorim e Fábio Audi, debatem os dilemas vivenciados pelos adolescentes num mundo onde as escolhas começam a ser-lhes exigidas. Nem a deficiência visual do protagonista é um empecilho para os enfrentamentos familiares, as paixões, um tanto platônicas e a homossexualidade assumida, sem nenhum preconceito, quando ao se depararem com um deboche homofóbico, os namorados dão uma resposta à altura da agressão sem imiscuir-se e sem partir para a ignorância, mas essa cena fica para você assistir ao filme e descobrir como isso acontece.
A película chama a atenção pela direção acurada, roteiro bem amarrado, enquadramento perto da perfeição, fotografia como poucas, trilha sonora impecável e boas atuações. Trata-se não há dúvida de um promissor cineasta. Se “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” for escolhido pela Academia norte-americana será a quinta vez que o Brasil será representado na competição. Em 1963, “O Pagador de Promessas”, em 1994, “O Quatrilho”, em 1998 “O que É Isso Companheiro?” e, em 1999, “Central do Brasil”, estiveram prestes ao título, que ainda permanece inédito para o cinema brasileiro. A produção nacional está encontrando novos caminhos para atingir o grande público, sem perder a qualidade. O cearense, “Cine Holliúdy” (2012), de Roberto Cunha, aborda o sonho de manter a sétima arte viva nos corações e mentes do público, examente a procura constante dos cineastas brasileiros.
Por Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB