Julio Cortázar completaria 100 anos neste 26 de agosto. Este é o “Ano Cortázar” (quando se completam também os 30 anos desde que deixou a vida, em 12 de fevereiro de 1984). A comemoração do centenário do escritor argentino ocorrerá no Rio de Janeiro e envolverá vários eventos que ocorrerão até o dia 27.
Serão debates, exibição de filmes inspirados em sua obra, mesas-redondas com tradutores, leituras de textos, exposição com fotografias inéditas e até um espetáculo de jazz fazem parte do “Todo Cortázar 100 anos – um só autor, muitas artes”.
“O ciclo servirá para expor a riqueza de um artista multifacetado, que não era apenas escritor, ensaísta, dramaturgo, poeta e tradutor, mas também fotógrafo e até teve uma estreita relação com a música”, disse Fabiana Camargo, doutora em Literatura Contemporânea, professora do Centro Acadêmico Cult Estácio e organizadora do evento. O ciclo, que terá a participação do cônsul adjunto da Argentina no Rio de Janeiro, Sebastián D’Alessio, ocorrera na sede do Instituto Cervantes do Rio, organizador da homenagem.
As comemorações no Rio de Janeiro acontecerão paralelamente a outras que ocorrerão em Buenos Aires e-Paris, cidades onde ele viveu. Nascido em Bruxelas (Bélgica) por acaso (seu pai era funcionário diplomático), ele viveu na capital argentina desde os quatro anos de idade até 1951, quando passou a viver em Paris, fugindo da complicada situação política em seu país (aquele ano foi crucial para o peronismo, que enfrentou tentativas de golpes militares). O centenário também será comemorado em Lisboa, Madrid, Roma e em universidades nos EUA.
Cortázar foi um dos mais importantes escritores do século XX. Ele inovou a literatura ao incorporar o elemento fantástico como espelho “de uma realidade infelizmente real e presente”, diz o historiador literário Otto Maria Carpeaux. Realidade presente em O Jogo da Amarelinha, de 1963 (Rayuela, em espanhol), que “é um dos romances mais complexos e mais importantes” do século XX, diz o historiador.
Cortázar é um destes escritores cuja obra não envelhece e, mesmo três décadas depois de sua saída da vida, seus romances, novelas, contos, comentários permanecem vivos e atuais.
Embora a literatura de Cortázar não seja propriamente política (mesmo marcada por uma crítica ácida e lúcida da vida contemporânea), ele jamais deixou de participar de polêmicas estéticas e de manifestar opiniões políticas apoiadas por sua grande notoriedade. Assim, foi um militante intelectual em defesa da revolução cubana, da revolução sandinista (na Nicarágua) e da luta dos povos da América Latina, tendo sido incluído em uma “lista negra” de escritores considerados “perigosos” pela ditadura militar, descoberta e divulgada em novembro de 2013 pelo Ministério da Defesa da Argentina.
O Jogo da Amarelinha resulta de um experimentalismo formal onde o cotidiano fragmentário é retratado como se fora um jogo num romance que permite múltiplas leituras. E o próprio autor orienta muitas dessas leituras possíveis.
Mas a presença das contradições que marcam a forma de viver nas grandes cidades modernas está presente em contos que, à primeira vista, seriam literariamente “normais” mas nos quais a grande novidade está não propriamente no relato mas no tema que reflete aspectos absurdos da vida cotidiana. Eles podem ser observados nos dois contos transcritos nesta edição: “A autoestrada do Sul” (1964) e “As babas do Diabo” (1959). O tema do primeiro é um incrível congestionamento de trânsito que, em sua imensa extensão e duração, serve como uma metáfora das contradições contemporâneas. O tema do outro inspirou Michelangelo Antonioni num filme clássico Blow Up – Depois daquele beijo (1966); ele revela como o conhecimento não pode bastar-se com as aparências: um fotógrafo faz uma série de imagens de um casal de namorados num parque; ao examinar as imagens que obteve, descobre ter sido testemunha involuntária de um assassinato. Isto é – a aparência de algo que parecia bom (o idílio dos namorados) pode encobrir algo terrível!
Cortázar, que completaria 100 anos, foi um grande intérprete literário das contradições de nosso tempo e sua obra se tornou, por isso, essencial para que se possa conhecer a vida que se vive hoje. Ele continua essencial agora, como foi nos últimos 50 anos, e como continuará a ser pelos tempos vindouros.
Fonte: Vermelho, por José Carlos Ruy