A população de São Paulo pode se preparar para enfrentar uma das maiores crises hídricas da história. Novembro é o prazo dado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para que termine a água captada do “volume morto”, um reservatório emergencial colocado em atividade no dia 15 de maio. A informação foi divulgada no último dia 3 de maio pela empresa e colocou a população mais uma vez em alerta.
Enquanto isso, o governador Geraldo Alckmin garante que não há risco da cidade enfrentar um racionamento de água. Mas para o plano dar certo é preciso que o próximo verão seja diferente do último.
Veja o gráfico abaixo:
Média de chuvas sobre o Sistema Cantareira
Dezembro 226,8 milímetros
Janeiro 259,9
Fevereiro 202,6
Média em 2014
Dezembro 62,9 milímetros,
Janeiro 87,8
Fevereiro 73,0
A culpa é do governo
“O governo paulista não tomou as providências necessárias para conter os efeitos da estiagem e agora busca paliativos para escamotear o problema”. Essa é a opinião do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema), Renê Vicente, para quem “a irresponsabilidade do governo do Estado é a principal causa da situação”.
“É necessário investir em novas tecnologias e no quadro de funcionários. Atualmente, a Sabesp conta com 15 mil trabalhadores concursados e 9 mil terceirizados e até quarteirizados. Isso afeta diretamente o problema da qualificação e da perda física [desperdício]”, alerta Vicente.
Perda física que, aliás, pode ser considerada um desafio. Em 2013, a empresa perdeu 31,2% de toda a água produzida entre a estação de tratamento e a caixa d’água dos consumidores. Segundo a Sabesp, 66% das perdas são provocadas por vazamentos ou transbordamentos de reservatórios.
Para o presidente do Sintaema, a terceirização presente no setor só piora esse quadro. “Nós sabemos que um dos problemas advindos da terceirização é a alta rotatividade, que está diretamente ligada à qualificação profissional. Não tem como não prejudicar a população”, reforça Renê Vicente.
O povo sente esses impactos na pele, por meio do racionamento de água. “O governo deveria oficializar o rodízio de água, que já existe, e atualmente afeta apenas os bairros pobres da cidade”, denuncia o sindicalista.
“Tem que haver uma atitude política e um planejamento que não prejudique o funcionamento de escolas e hospitais, mas que não privilegie ninguém pela questão social”, defende.
São Pedro ou Geraldo Alckmin?
Dentro desse cenário de dúvidas não faltam acusações. O governo estadual culpa a população e o clima, ou seja, São Pedro.
Já os especialistas culpam o governo estadual e a política privatista do PSDB. Para eles, a raiz do problema está na forma de gestão da empresa, que deixou de investir em novos mananciais para repartir o lucro entre os acionistas.
Para Nivaldo Santana, vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e técnico de Serviços Administrativos da Sabesp desde abril de 1980, faltam investimentos. “A região metropolitana de São Paulo tem um déficit estrutural de disponibilidade hídrica por habitante, ou seja, a produção de água é insuficiente para atender a demanda e o governo não investiu na ampliação de novos mananciais. São os mesmo de 30 anos atrás. Essa é a grande causa da falta de água em São Paulo”, declara Santana.
De acordo com o sindicalista, até o início da década de 1990 o objetivo da companhia era atender a população com saneamento básico. Depois disso a Sabesp adotou outra política. “Hoje quem comanda a Sabesp são economistas e advogados. O objetivo da empresa mudou. É para dar lucro aos acionistas”, destaca.
Nivaldo argumenta que as mudanças climáticas são imprevisíveis, mas precisam fazer parte do planejamento estratégico da Sabesp. Também seria necessário direcionar o investimento para a produção de água. “Isso não é feito porque a lógica da Sabesp não é social. Hoje metade de suas ações pertence ao governo do Estado e a outra metade a grupos privados, que estão preocupados com o retorno financeiro”, afirma.
A água virou um produto
A Sabesp abriu seu capital em 1994, tornando-se a primeira empresa de economia mista com ações negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo e de Nova York.
De acordo com os números apresentados pela empresa, somente em 2013 a companhia teve lucro líquido de 1,923 bilhão de reais, frente a 1,911 bilhão de reais do ano anterior.
A população paga a conta
O que se sabe é que, em ano eleitoral, a palavra “racionamento” virou tabu para o governador Alckmin. Mas para os moradores da periferia o rodízio de água já faz parte do dia a dia.
Alguns munícipios já estão adotando o sistema. Os moradores do Grajaú, no extremo da zona sul, enfrentam essa situação. Na região pelo menos seis bairros convivem com essa rotina: Três Corações, Jardim Varginha, Sítio Arizona, Vila Rocha, Marsilac e Ilha do Bororé.
São bairros e ocupações formados em regiões altas – até 340 metros acima do nível das Represas Billings e do Guarapiranga -, onde as adutoras da Sabesp não têm pressão para manter abastecimento regular.
Na região do M’Boi Mirim, o Sítio Arizona, bairro mais alto ainda, tem falha de abastecimento para as 2.540 famílias carentes da localidade, apesar de estar cercada pelas represas. “Aqui tem água para todo lado, só dentro de casa que não”, afirma Rubineia Oliveira, de 54 anos, que vai às margens da Represa Billings para lavar as roupas. “Lavar roupa em casa é uma vez por semana. A louça eu deixo acumular por três dias”.
Ato contra crise da água
No dia 5 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente -, as Centrais Sindicais CTB e CUT, Sintaema, Fenatema e entidades dos movimentos sociais promoveram um ato em frente ao prédio da Secretária do Meio Ambiente, contra a crise da água e para chamar a atenção da população contra o desmonte que o governo Alckmin vem promovendo no setor.