Do ‘Fora FHC’ ao ‘Negocia Dilma’, o que mudou?

Os jovens com menos de 25 anos dificilmente tem memória dos nebulosos tempos de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Essa geração têm acorrido ao serviço público, revitalizado com as políticas de valorização do Estado dos governos Lula e Dilma. A revista Isto é estampou o fenômeno em sua capa no final de abril: “mais de 12 milhões de brasileiros correm agora para disputar uma das 300 mil vagas que serão abertas até o final de 2015. Hoje, os concursos são disputados, em sua maioria, por jovens de até 35 anos, com boa formação acadêmica”, informa a revista.

Na última década muito mudou no Brasil, e para a luta sindical mudou para melhor. O Professor da UNICAMP Armando Boitto Jr. analisa que o número de greves aumentou de 300, em 2004, para 800 em 2012, segundo ele com 95% de acordos coletivos com aumento real de salário em 2012, índice bem superior ao de 2004. O professor destaca ainda a participação dos trabalhadores do serviço público nesse ciclo de greves e lutas. Cerca da metade das greves ocorridas nesse último período foram do setor público.

O serviço público é composto fundamentalmente por um “trabalhador de classe média”, na definição do próprio professor Boitto Jr. É um setor que vem sofrendo mudanças rápidas de perfil, com um incremento de toda uma geração com menos de 35 anos e boa formação acadêmica.

O governo federal anunciou que boa parte das milhares de novas vagas criadas no setor público foram para as Universidades, os boletins oficiais do Ministério do Planejamento não deixam dúvidas disso. A reestruturação das Universidades Públicas não aconteceria sem esse incremento de vagas e contratação em massa de docentes e técnico-administrativos. Em especial, a área técnica das Universidades e IFETs conquistou um plano de carreira que tem parâmetros avançados de gestão e incentivo a qualificação dos servidores, tendo aspectos que são os mais avançados entre todas as categorias do executivo federal.

O primeiro olhar para todo esse cenário pode levar a concluir que é um tempo de “mar de rosas” para o funcionalismo público. Se isso é verdade, por que então metade das greves do período ocorrem justamente no serviço público? Estaria o funcionalismo “reclamando de barriga cheia”?

Para nós da CTB que atuamos na perspectiva do sindicalismo classista, a resposta a essa pergunta vem acompanhada de outro questionamento: a classe trabalhadora está plenamente satisfeita com o que aconteceu no último período? É evidente que não. A agenda que aprovamos de maneira unitária no CONCLAT de 2010 no Pacaembu, a agenda que reapresentamos no histórico 11 de julho de 2013 e nas recentes marchas das centrais nos mostram que muito ainda precisa avançar: redução da carga horária, fim do Fator Previdenciário, redução do superavit primário, negociação coletiva no setor público. Não são bandeiras históricas que permanecem sem resposta?

São essas as bandeiras que animam os trabalhadores do serviço público nas inúmeras greves que têm protagonizado no último período. Não são lutas contra o governo, mas a favor do avanço nas mudanças em direção a um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho. A mais recente greve, que é protagonizada pela área técnica das Universidades, deflagrada desde 17 de março, também ocorre nesse sentido.

É preciso ter claro que um dos muitos entraves que não foram derrubados da era neoliberal é a necessidade de uma negociação coletiva no serviço público, com definição de data base. Os servidores precisam entrar em greve para abrir negociação, o que não seria necessário se já houvesse a data-base instituída. A palavra de ordem dos servidores em greve resume esse anseio. Ao bradarem “Negocia Dilma”, estão evidenciando que sem negociação coletiva, sem reconhecimento por parte do Estado de que são agentes no processo de gestão do Estado, fica difícil democratizar e desenvolver o Brasil.

A palavra de ordem “Negocia Dilma”, estampada em faixas, cartazes, panfletos, músicas e que fará parte das ruas em Brasília na caravana da Educação Federal e demais Servidores Públicos Federais nos dias 6 e 7 de maio, nada tem a ver com a palavra de ordem “Fora FHC”, presença obrigatória em qualquer ato dos trabalhadores nos anos noventa. O “Fora FHC” denunciava a total falta de diálogo entre governo e trabalhadores, a clara constatação de que nada podia se esperar daquele governo, que tinha como política o desmonte do Estado, Programa de Demissões Voluntárias, etc. O “Negocia Dilma” é um apelo ao diálogo calcado no reconhecimento, por parte dos trabalhadores em greve, de que esse governo é diferente e que pode avançar em mudanças que beneficiem os trabalhadores.

É preciso relembrar as falas do deputado metalúrgico e dirigente da CTB, Assis Melo (PCdoB/RS), em uma Audiência sobre a campanha salarial dos servidores públicos federais: “Não quero quebrar o país, só peço que o governo aceite dialogar e negociar. E que, se possível, a gente tenha do ponto de vista da nossa luta, avanços dos direitos trabalhistas”. Nesse sentido também interveio a deputada Jô Morais do PCdoB/MG: “Eu considero que se não tem dinheiro, dê democracia, dê sobretudo a construção de uma parceria, porque são servidores homens e mulheres que integram e defendem este projeto, desde que esse projeto defenda também seus interesses”.

O governo não pode encarar o serviço público, que é essa massa trabalhadora de classe média, como inimiga de seu projeto, porque de fato não é. Inimiga declarada do governo é a mídia e o setor rentista que ameaça a estabilidade do país quando o governo tenta reduzir juros, que tenta fazer o governo de refém com ataques truculentos.

Os trabalhadores em greve que bradam “Negocia Dilma” são aliados de um projeto de desenvolvimento com aumento do papel do Estado, mais investimentos em saúde e educação, e saberão reconhecer nas urnas quem pode avançar e quem pode retroceder essa luta. É preciso, contudo, sensibilidade do governo para resolver o conflito estabelecido pela greve, superá-lo e colocar o debate num outro patamar. É o que a CTB e as outras centrais têm insistido e continuarão lutando para que aconteça.

Igor Corrêa Pereira é secretário de juventude da CTB-RS


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