A aprovação do Marco Civil da Internet pelo Senado, nesta terça-feira (22) foi uma vitória conquistada pela luta e mobilização de muitas organizações da sociedade e ativistas digitais. Milhares de pessoas se uniram à corrente para garantir que a internet continue sendo um ambiente democrático.
Sua aprovação é o maior exemplo de que com mobilização é possível obter conquistas, mesmo que o adversário seja um setor com muito poder político e econômico como o dos empresários de Telecomunicação.
Demonstra que o Brasil pode e deve melhorar seus instrumentos de construção coletiva e colaborativa de políticas públicas. O Marco Civil é referência internacional pelo seu conteúdo avançado na defesa dos direitos dos usuários e da garantia da liberdade na internet, mas também pela forma como ele foi elaborado: primeiro através de uma plataforma digital com a participação de milhares de pessoas, depois com ampla discussão pública através de audiências presenciais e de mais participação via internet no portal da Câmara dos Deputados.
O texto aprovado pelos senadores é bastante diferente daquele que chegou à Câmara dos Deputados. A redação final foi fruto de um longo processo de negociação política para construir uma maioria parlamentar que viabilizasse sua aprovação. Em alguns pontos ele foi aprimorado, em outros nem tanto e alguns nem deveriam ter sido inseridos no texto, como o 15, que viola a privacidade do usuário.
Neutralidade é luta internacional
São muitos os aspectos tratados no MCI. O mais importante para que continuemos com mais força e fôlego a luta para assegurar que a internet seja um espaço de arquitetura democrática, descentralizada, que permita a inovação tecnológica e a livre distribuição de conteúdos informativos, culturais, educativos é a garantia da neutralidade da rede.
Este sempre foi o principal nó polêmico do Marco Civil. A negociação em torno de praticamente todos os outros dispositivos da Lei tinha como base o artigo 9º. Mais uma lição: nem sempre é possível aprovar a pauta máxima, no caminho da vitória as vezes é preciso fazer concessões. Vale dizer que estas não foram feitas pelo movimento social, que sem deixar de apontar suas críticas e discordâncias, sempre mantiveram seu apoio ao Marco Civil.
A unidade em torno do Marco Civil, construída pacientemente, foi possível a partir da compreensão de que a neutralidade da rede é uma batalha internacional, que coloca em campos opostos o interesse público e o interesse privado. Países e corporações que se manifestam contra o princípio da neutralidade de rede o fazem de olho em tornar legal instrumentos de controle dos fluxos de dados, seja para ter benefício econômico desse controle, com a criação de novos modelos de negócios, seja para impor um filtro político ao conteúdo que transita na WWW.
Por isso, termos aprovado o Marco Civil da Internet com neutralidade de rede é um feito internacional. Vencemos uma batalha, mas ainda há uma guerra pela frente.
Governança na internet nações x coorporações
A próxima batalha começa imediatamente e se desenrola nos debates que ocorrerão durante o NetMundial, Encontro Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e a /1Net, fórum que reúne entidades internacionais dos vários setores envolvidos com a governança da Internet.
O debate sobre a governança da internet foi bastante aquecido após as denúncias de prática de espionagem tornadas públicas por Edward Snowden. Qual o papel dos Estados e das corporações e o peso de cada setor num modelo multisetorial de governança da internet é tema central, inclusive para garantir de fato que os interesses públicos estejam no topo de qualquer pauta que envolva a internet. Caso contrário, as empresas – sejam elas de infraestrutura, de aplicações e serviços ou de produção de conteúdo –, que movimentam bilhões de dólares e têm ânsia por ampliar ainda mais seus rendimentos, vão impor seus modelos de negócio à pauta pública.
O discurso da presidenta Dilma Rousseff na Assembleia da ONU, em setembro de 2013, colocou o Brasil na posição de liderança para contribuir com a construção de um modelo de governança pautado pela defesa dos direitos humanos, da soberania das nações e da liberdade de expressão.
Como princípios e diretrizes a serem perseguidas, a presidenta destacou:
1 – Da liberdade de expressão, privacidade do indivíduo e respeito aos direitos humanos.
2 – Da Governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência, estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do setor privado.
3 – Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias.
4 – Da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores.
5 – Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos, tornando inadmissível restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos ou de qualquer outra natureza.
Se estes princípios estiverem refletidos no documento que será aprovado no NetMundial, o Brasil terá sido palco de duas vitórias de dimensões históricas para garantir a liberdade da rede.
Renta Mielli é jornalista, secretária geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Artigo publicado originalmente em seu blog
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