Criada pelo argentino, que completa 82 anos dia 17 de julho, Joaquín Salvador Lavado Tejon, mais conhecido como Quino, a menininha Mafalda extrapolou o território argentino e ganhou as páginas dos jornais e de livros em todo o mundo nesses 50 anos de vigor renovado na contestação de uma garotinha carregada de bom humor e crítica ácida ao autoritarismo e á hipocrisia de uma elite antinacional e antipopular. Publicada de 1964 a 1973, ao mesmo tempo em que as tiras de Mafalda nos fazem rir nos levam à profundas reflexões sobre a vida, o mundo e o que queremos legar para as futuras gerações. Apesar de ter sido criada em 1962, sua primeira publicação só ocorreria dois anos após.
O próprio Quino argumenta, em tom muito humilde, que em seu trabalho, “apelava para as notícias do dia, e escrevia sobre o que saía nos jornais; o mundo era assim. Eu não disse, ‘vou a fazer uma menina contestadora’; não, saiu assim. Muitas vezes desenhava coisas pelas quais me sentia impelido”. As tiras de Mafalda, uma menina de seis anos de idade, que odeia sopa e adora os Beatles apresentam uma visão límpida da sociedade argentina sempre questionando o status quo com os olhos de uma menina de 6 anos sem soberba, mas crítica contundente de valores quase patriarcais, colonialistas e anti-povo da elite de seu país.
Mas Mafalda sobrevive ao tempo pelo que apresenta de caráter humano quando mostra sentimentos e questões sociais no âmago das pessoas dialeticamente introjetados e finamente reflexivos. A jornalista Nubia Silveira afirma que “o traço simples, leve, limpo e expressivo de Quino transforma em obra de arte cada quadro de uma tira. Os pequenos detalhes compõem as historietas que nos fazem sorrir e pensar. Os temas são os cotidianos: as guerras mundiais, o engarrafamento no trânsito, o alto custo de vida, as férias na praia, o aprendizado escolar”.
Equivalente a Quino no Brasil é o cartunista Henrique de Sousa Filho, o nosso Henfil (1944-1988). A diferença entre ambos é que Henfil viveu sob a ditadura e Quino encerrou sua mais famosa tira quando se instaurava a ditadura na Argentina. Talvez por isso Henfil seja mais ácido em sua crítica social e do elitismo de setores sociais brasileiros com personagens fantásticos, mas sem ganhar a notoriedade mundial de Mafalda, apesar de conterem a mesma força e o mesmo caráter contestatório, na vontade expressa de ambos os gênios em respeitar a dignidade humana, a inteligência e a diversidade, com ampla liberdade de criação.
Mafalda, no entanto, ganhou corações e mentes em todo planeta. Comparável somente aos Charlie Brown e Snoopy, da série Peanuts do cartunista norte-americano Charles Schulz, nos anos 1950 e eternizados. A diferença reside em que Mafalda uma típica latino-americana traz em seu bojo as características do humor latino-americano, que ri de si mesmo e ridiculariza os que querem determinar todas as regras de vida, sem maiores questionamentos. Esse humor refinado foi abraçado por milhares de crianças, jovens e adultos de todo o mundo. A famosa menina argentina completa 50 anos com o mesmo vigor de quando nasceu.
Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB
Assista abaixo Mafalda, o Filme (1982), dirigido por Carlos D. Marquez