Cena 1: Estação Sé do metrô de São Paulo, Linha 1, 18h45. Em meio ao calor infernal da capital paulista, centenas de pessoas se apertam em um vagão sem ar condicionado. Boa parte delas sai pela porta da esquerda, enquanto outra quantidade parecida entra pela porta da direita. Quem está no meio dessa movimentação é atropelado, no sentido literal da palavra. Uma senhora cai e por pouco não fica presa entre o vão que separa o trem da plataforma. Dois homens trocam xingamentos e por pouco não se agridem. Entre os que estão em pé, não há ninguém que não esteja com a testa ou a camisa encharcada de suor.
Cena 2: Estação da Luz, Linha 1, 9h35 de outro dia que ultrapassa os 34ºC. Centenas de passageiros esperam o metrô no sentido Jabaquara. Passam-se mais de cinco minutos e a quantidade de cidadãos aumenta de tal forma que alguns precisam ultrapassar a faixa amarela de segurança no final da plataforma. Após mais três minutos, finalmente chega o trem – também sem qualquer sistema eficiente de refrigeração. Ao abrir as portas, senhoras e crianças ficam para trás, tamanha a brutalidade de alguns rapazes. Alguns trocam empurrões e um deles leva um safanão. Por pouco a confusão não se torna generalizada.
As duas cenas acima aconteceram neste começo de fevereiro e foram testemunhadas por este pretenso cronista – uma delas se deu na manhã do mesmo dia em que a Linha 3 passou por momentos de caos. Possivelmente, dezenas de situações semelhantes têm ocorrido diariamente. Minha sensação, no entanto, é a de que o ano se iniciou com um clima de grande revolta em relação ao serviço de transporte público oferecido pelo governo de São Paulo.
Nesse cenário de indignação que cresce a cada ano, o calor acima do normal, o ar seco e a falta de trens com ar condicionado fizeram com que o metrô de São Paulo se transformasse em um caldeirão com água em ponto de ebulição. Se em geral faltam bom senso e civilidade no uso do transporte público na capital paulista, neste mês de fevereiro a situação parece estar chegando a um nível insuportável – especialmente quando vem à tona a dimensão dos desvios de recursos públicos envolvendo as obras do sistema metroviário.
Desamparo geral
A situação caótica da última terça-feira (4) é um claro indício dessa insatisfação crescente. Diante do descaso administrativo das seguidas administrações do PSDB no estado, a população acaba agindo por conta própria, consciente de que o Estado não trata como prioridade o transporte público. Pior do que isso: parte dessa estrutura de governo, segundo as recentes denúncias, tirou proveito financeiro de verbas originalmente destinadas à mobilidade urbana.
Enquanto isso, o governador Geraldo Alckmin culpa a população pelos recentes transtornos. Para piorar, no meio desse cenário caótico quem também se vê atada é a categoria dos metroviários, que além de contar com baixos salários, benefícios insuficientes e um sindicato pouco atuante, ainda precisa atuar como intermediária entre o descontentamento da população e a inércia do governo, sob o grande risco de humilhações e agressões cotidianas.
Seja pelo ponto de vista dos passageiros ou dos funcionários, a incompetência de quase duas décadas de gestões tucanas sempre acaba recaindo sobre a classe trabalhadora. Enquanto grandes empresas como Siemens e Alstom agradecem pela parceria com Alckmin, Serra e outros tucanos de refinada plumagem, resta ao povo encarar a rotina diária de empurrões, cotoveladas, impropérios, ambientes insalubres, atrasos e descaso sobre os trilhos do metrô.
Quando novos tumultos surgirem é possível que Alckmin atribua novamente à população as causas desses transtornos. Sob determinado viés, o governador não está errado. Afinal, não foi esse mesmo povo que elegeu o PSDB nas cinco últimas eleições?
Fernando Damasceno é jornalista, membro da equipe do Portal CTB.
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