Estamos há 25 anos da Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989, que ficou conhecida como Lei Caó, em homenagem ao autor Carlos Alberto de Oliveira. A legislação define como crime o ato de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Também regulamentou o trecho da Constituição Federal que torna inafiançável e imprescritível o crime de racismo, após dizer que todos são iguais sem discriminação de qualquer natureza.
Legalmente, é proibido recusar ou impedir acesso a estabelecimentos comerciais, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (reclusão de um a três anos); impedir que crianças se matriculem em escolas (três a cinco anos); impedir o acesso ou uso de transportes públicos (um a três anos); impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social (dois a quatro anos); fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo (reclusão de dois a cinco anos e multa).
Mesmo com todas as normativas e controladores sociais, ficamos a mercê das estruturas e da resistência política daqueles e daquelas que detêm o poder do julgamento e da execução, que estão inseridos no bojo cultural de estigmas, preconceitos, discriminação e muitas vezes por ignorância ou desconhecimento acabam fortalecendo a manutenção do racismo. Com discursos de que “isso não existe”, vem se evidenciando cada vez mais o quanto precisamos aprofundar a temática, o quão complexo é a apropriação legal do que se constitui o crime de Racismo e o que se diferencia do conceito de injúria, podendo assim decorrer de erro na condução do processo.
Nos últimos anos, houve emblemáticas manifestações de racismo. A mídia pontuou algumas, muitas até perto da agressão física, são eles: o caso da doméstica que não foi contratada por não ter, segundo o contratante, “boa aparência”; os inúmeros casos de injúria seguidos de racismo no futebol com chamamentos e comparativos como “macaco” e “arremesso de bananas”, entre outras agressões. No comércio, o caso de racismo na concessionária da BMW contra um menino de sete (07) anos e, um dos últimos, o caso do menino Lucas, de oito (08) anos, com cabelo Black Power, que o estabelecimento de ensino pediu para que cortassem seu cabelo pois estaria atrapalhando a leitura. Neste caso, em especial, brilhantemente foi enquadrado de pronto como Crime de Racismo, também pela sensibilidade e comprometimento do Delegado o qual tive o prazer de conversar sobre o caso.
Outras Manifestações / Preocupações:
Como Presidente de um Conselho de Promoção de Igualdade Racial em Guarulhos e Conselheira Estadual do CPDCN, solicitei o acompanhamento junto ao órgão do DECRADI, que averiguei o racismo internauta das redes sociais, uma manifestação que poucos observam, mas pode ser enquadrado alguns em crime de racismo e outros, injúria: os comentários postados após notícias como a do Caso do Menino Lucas na Internet.
A matéria veiculada dia 5 de dezembro de 2013 no portal G1 e, no dia seguinte, fiz questão de acompanhar os comentários, muitos, muitos deles eram de deprimir pela ignorância e pela falta de preocupação com opiniões emitidas publicamente. Darei alguns exemplos sem citar alcunhas, mas é público o nome dos comentaristas:
M.B.: “Aff, o menino já tem uma jaca acima do pescoço, tadinho dos colegas que sentam atrás disso”. (sic)
W. M.: “Olhando bem a silueta dele, lembra uma caixa d’agua!”. (sic)
D. F.: “É POR ISSO QUE ESTOU MUDANDO PRA SUÉCIA, LA TEM BRANCOS REALMENTE “PUROS” E O MELHOR RESPEITAM NOS”. (sic)
Murilo: “Hoje em dia tudo é racismo. Até negar matrícula a uma criança por ela ter cabelo de negro é racismo”. (sic)
Desigualdade x Discriminação:
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios, que foi divulgada em setembro de 2013, 104,2 milhões de brasileiros são pretos e pardos, o que corresponde a mais da metade da população do País (52,9%). Mesmo sendo metade de uma nação, as diferenças não são apenas numéricas. Os acessos da maioria são, ainda hoje, reduzidos por fatores históricos e estruturantes de nosso país. A possibilidade atual de um adolescente negro ser vítima de homicídio é 3,7 vezes maior do que a de um branco, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Educação Ensino Superior: Em 2009, a taxa de escolarização das mulheres no ensino superior era de 16,6%, enquanto a dos homens, de 12,2%. A taxa de escolarização de mulheres brancas no ensino superior é de 23,8%, enquanto, entre as mulheres negras, esta taxa é de apenas 9,9%.
Saúde: No que diz respeito especificamente aos atendimentos ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a população negra representa 67%, e a branca, 47,2% do público total atendimento segundo mapa das desigualdades 2010.
Trabalho:
Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou na Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de 2010, a diferença entre a remuneração média de negros e brancos no país diminuiu, mas ainda persiste. O último ano foi de 46,4% e, em 2009, de 47,98%. Na média de rendimentos salariais, temos a seguinte escala: R$ 1.891,64 para homens brancos, R$ 1.403,67 para mulheres brancas, contra R$ 1.255,72 para homens negros, sendo que a diferença fica ainda maior quando comparado os salários das mulheres que recebem, em média, R$ 944,53. Refletindo no processo previdenciário, onde a baixa contribuição gera o menor rendimento, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2005, os idosos brancos acima de 60 anos têm, em média, rendimentos totais 82% maiores do que os negros.
Como Combater:
Mesmo com a Lei Caó, ela por si só não basta para rompermos as correntes da discriminação racial e com a desigualdade alicerçadas em uma trama de opressão e repressão. A Lei Caó precisa ser mais divulgada. Também devemos apropriar-nos de outras leis (preventivas e punitivas) para somarmos no Combate ao Racismo, Lei Estadual nº 14.187/10 – Pune atos de Discriminação Racial ou de Cor e as preventivas a Lei 10.639/03/Lei 11.645/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
Como Denunciar:
A vítima deve registrar um boletim de ocorrência em uma delegacia pode ser a comum ou a específica, em São Paulo DECRADI – Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância. Telefone: (11) 3311-3556, em seguida, procurar um advogado para cuidar do processo – não é obrigatório um advogado para poder dar entrada no processo de discriminação racial, é possível contar com a Defensoria Pública – [email protected]. Telefone: (11) 3101-0155 ramal 137. Se a discriminação ocorrer no ambiente de trabalho, a vítima pode procurar o Ministério Público do Trabalho. Se a discriminação não se referir especificamente a uma pessoa, procurar o Ministério Público do Estado.
Flávia Costa é membro estadual do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CPDN) e presidenta do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial – COMPIR
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