O trabalho infantil doméstico no Brasil

Terminada a III Conferência Global sobre Trabalho Infantil, de forma exitosa e realizada no Brasil neste mês da criança, recebeu mais de 150 países onde se pôde aperfeiçoar, trocar experiências e pactuar medidas para o enfrentamento deste grave e ainda, de certa forma invisível, problema social.

Em 2011 no Brasil havia no trabalho infantil 3,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos. É verdade que houve uma redução de 17,9%, se comparados aos dados de 2008. Os estados de São Paulo, Minas e Bahia são os que têm o maior número de ocupados na faixa etária de 5 a 17 anos. Das crianças e adolescentes ocupados no Brasil em 2011, 66,5% (2,4 milhões) eram do sexo masculino e 33,5% (1,2 milhão) do sexo feminino.  O maior número de crianças e adolescente trabalhando está concentrado na faixa etária de 13 e 14 anos. No serviço domestico predominam as meninas – elas representam 93,71%. Predominância que se observa também entre as adultas. Novamente, em números absolutos, Minas Gerais (29.651), Bahia (26.264) e São Paulo (20.381) apresentavam em 2011 os maiores quantitativos de meninas ocupadas nessa atividade. 

Outro dado importante que o IBGE traz é que o trabalho doméstico infantil está concentrado nas zonas urbanas, com 79,3%. Tem cor/raça, 67% das crianças e adolescentes ocupados nessa atividade, somando 172.666 contra 85.026 de não negros. Porém esses números eram maiores entre 2008-2011, 23,2% e 14,7%, respectivamente.

Trabalho infantil doméstico é toda prestação de serviços continuada, remunerada ou não, realizada por pessoas menores de 18 anos, para terceiros ou para sua própria família.  São atividades que realizadas dentro do próprio lar rouba direitos da criança de ser criança, sua infância, à saúde, à educação, comprometendo seu pleno desenvolvimento físico, psicológico e moral inviabilizando sua cidadania plena para a vida adulta.

Verificamos, no Brasil, que persiste, dentre outras, uma das piores formas de trabalho infantil: o doméstico. Lamentavelmente continua de vento em popa, resquício da escravidão, oficialmente terminada em 1888. A grande causa do trabalho infantil continua a ser a não distribuição de renda, as profundas desigualdades de oportunidades, a mentalidade capitalista que quer fazer crer que o trabalho para crianças e adolescentes pobres “é bom para a formação do caráter de uma pessoa”, “que tira da delinqüência”, “que não mata” etc e tal e de certo, melhor ainda para manter a cadeia lucrativa do capital.

O Brasil é mesmo um gigante e tem um quadro diversificado e complexo de desigualdades. Mesmo com o papel fundamental que tem cumprido o programa Bolsa Família, no sentido de distribuir renda, dar um fôlego as famílias e contribuir para a sua reestruturação, bem como programa erradicação do trabalho infantil (PETI), ainda assim no estado do Piauí o trabalho infantil, por exemplo, teve um crescimento de mais de 122 % na ocupação infantil doméstica no intervalo de 4 anos. O Rio Grande do Norte foi a UF em que houve o maior crescimento do trabalho infantil doméstico, passando de 6% para 15,1% da população de 5 a 17 anos ocupada nessa atividade, segundo dados dos IBGE/2011. O trabalho infantil doméstico continua invisível e com pouco contingente e eficiência na fiscalização.  Como adentrar aos lares e fazer cumprir a lei?

Na III conferencia do Global do Trabalho infantil se renovou o compromisso de eliminar até 2016 o trabalho infantil, em especial em suas piores formas: o doméstico, exploração sexual, o trabalho nas minas, etc. Também é parte da agenda do trabalho decente da OIT e foi reafirmado na I CNTED realizada no Brasil em 2012.

Assim, reconhecendo os esforços e os progressos realizados em nosso país, sobretudo nesta ultima década, reafirmamos que mediante a crise global é preciso mais vontade política para construir maior unidade com as amplas massas oprimidas, estimular o debate sobre direitos humanos das crianças e adolescentes e dar visibilidade aos malefícios que o trabalho infantil propicia a pessoa em fase adulta.

Recentemente foi instalada a CPI cuja presidente é Sandra Rosado (PSB-RN) e a relatora é a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), para apurar a exploração do trabalho infantil. O objetivo é solicitar explicações de diversos órgãos, através de audiências públicas, para debater as várias formas de trabalho infantil, desde o trabalho desportivo, na agricultura, doméstico, cadeia produtiva até o artístico, e também fazer diligências aos estados do Pará, Bahia, Pernambuco e São Paulo, que concentram grande número de trabalhadores infantis. Haverá também uma grande articulação com os Ministérios da Educação, Público e do Trabalho para aprofundar essas investigações.

Enfim, para promover o desenvolvimento do país, é preciso valorizar o trabalho, reduzir as desigualdades, combater a fome e a miséria, fortalecer os mecanismos do exercício da democracia, mudar paradigmas e enfrentar com políticas públicas específicas, de forma interministerial e nas várias instâncias de poder. É o caminho possível para a garantia dos direitos das crianças e adolescentes à infância e à vida adulta de plena cidadania.  


Márcia Regina Viotto é socióloga e assessora da CTB.

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