Movimento faz ato no Congresso pela aprovação do Marco Civil

Militantes da internet livre realizaram, na terça-feira (29), em Brasília, uma vigília pela aprovação do projeto de lei original do Marco Civil da Internet.

No início da tarde, eles posaram em frente ao Congresso Nacional com tarjas pretas na boca para chamar a atenção sobre a limitação de navegação e censura na rede pretendida pelas operadoras de telefonia e pela Rede Globo. O PL tem caráter de urgência e, por isso, trancou a pauta da Câmara ontem. Sua votação só está marcada para terça (5).

Vindos de diversas regiões do país como São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Ceará e do próprio Distrito Federal, os manifestantes defendem a manutenção dos três princípios básicos do texto: neutralidade de rede – que é a garantia de que todos os dados trafegados pela rede terão o mesmo tratamento, incluindo a mesma velocidade -, privacidade (não obrigatoriedade do armazenamento de nossos dados por provedores de serviços e aplicações como sites, Google, Facebook) e liberdade de expressão.

Bia Barbosa, do Intervozes, relatou à mídia presente que o objetivo é convencer os parlamentares da importância de uma constituição na rede mundial de computadores para a garantia de direitos. “Várias organizações da sociedade civil de todo o país estão em Brasília para dialogar com os parlamentares para garantir que haja a liberdade de expressão, privacidade e neutralidade de rede no Marco Civil”, afirmou.

Durante todo o dia de ontem várias organizações estiveram no plenário da Casa, corredores, gabinetes e onde mais fosse preciso para tentar explicar aos deputados a importância da permanências dos princípios básicos.

De acordo com o presidente da Câmara, o deputado Henrique Alves (PMDB-RN), a matéria deverá ser analisada somente na próxima terça-feira. Durante a manhã do chamado Dia D pelos ativistas, chegou a declarar apoio ao projeto e à liberdade de expressão. “Sou favor do projeto. Acho que, na dúvida é sempre melhor votar pela liberdade de expressão e da manifestação. A matéria é controversa, é um tema que requer cuidado, mas, na dúvida, fico com a liberdade de expressão e de pensamento”.

A discussão sobre o Marco Civil surgiu após a aprovação do projeto de lei 84/99 do então senador Eduardo Azeredo (PSDB) que impunha a censura, detenção e um sistema de vigilância na rede em nome de uma falsa segurança. Conhecido como o AI-5 Digital, a aprovação de alguns artigos só beneficiaria corporações como bancos, que poderiam responsabilizar provedores por ataques, além de ações cotidianas, como digitalizar músicas e filmes pelos quais já pagou ou desbloquear aparelhos adquiridos adequadamente para utilizá-los com aplicativos de outra empresa, por exemplo, seriam passíveis de criminalização.

Por isso, a sociedade civil se reuniu, em conjunto com o Poder Executivo, e criou a proposta do Marco Civil, que é um conjunto de direitos e responsabilidades estabelecidos por lei, inspirados na Constituição Federal de 1988. A partir da interpretação dos princípios definidos na Constituição, é possível assegurar a liberdade. No entanto, como é necessário um conhecimento específico sobre o funcionamento da tecnologia, muitas interpretações têm desconsiderado os princípios e a arquitetura da Internet. Por fim, o Marco Civil possibilita um diálogo adequado com a cultura digital e harmonizar os entendimentos a esse respeito, apontando expressamente direitos de quem usa a Internet e deveres de quem provê o acesso e outros serviços, além das atribuições do poder público.

Privacidade

O relatório de Alessandro Molon (PT) traz alguns pontos que geram divergências com parlamentares da base aliada e com empresas do setor de telecomunicações. Um dos principais opositores ao texto é o líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), que comanda a segunda maior bancada da Câmara, com 76 parlamentares. Um deles é a neutralidade da rede, que interferirá no novo modelo de negócios que as operadoras de telefonia querem adotar: venda de conteúdos a partir de pacotes de serviços, da mesma forma como nos é ofertada a TV a caba atualmente. As operadoras, conhecidas como teles (empresas de telecomunicações), além de nos cobrar caro por um serviço de banda larga ruim, querem nos cobrar pelos conteúdos (sites, blogs, redes sociais, downloads de filmes, músicas, etc) que temos acesso livremente. E para isso, precisam quebrar o conceito de neutralidade explicito no texto.

De acordo com o texto original do Marco Civil, o provedor ou site é obrigado a manter uma política transparente para garantir o sigilo das informações. Terceiros ou autoridades só poderão ter acesso a eles mediante decisão judicial. Os registros de conexão na rede (Internet Protocol, IP) serão armazenados por um ano pelo provedor, sob sigilo, protegidos por uma política transparente de gestão, com vistas à proteção da intimidade e da vida privada dos usuários.

Os registros de acesso (sites, blogs, rede social, todo o seu rastro de navegação na Internet) poderão, ou não, ser guardados. A disponibilização desses dados só poderá ocorrer com apresentação de uma ordem judicial e em casos específico como para uma investigação criminal. Mas, de acordo com o texto original, os provedores de conexão (as operadoras de telefonia) não poderão guardar nossos registros. E é aí que as operadoras discordam. Elas querem garantir a posse desses dados (o que já fazem na prática, porém, sob sigilo) em lei.

Molon, que é relator do PL, garante que “o sigilo dos dados de internautas está garantido no texto”. “Está garantida a proibição do fornecimento para garantir a privacidade dos usuários. Esse já era um dos pilares antes do escândalo [de espionagem]. Depois do escândalo, reforçamos o direito de privacidade”, declarou.

Censura

O forte lobby dos direitos autorais na Câmara, em especial das Organizações Globo, conseguiu inserir o parágrafo segundo, no artigo 15, que exclui a aplicação da regra geral contida no texto, de que “o provedor de aplicações de internet só poderia ser responsabilizado por conteúdo de terceiro se descumprisse ordem judicial determinando a retirada ou bloqueio” da página. Ou seja, o artigo que coibe a proliferação da chamada censura instantânea, determinando a apresentação de uma ordem judicial para a retirada de conteúdo da rede, caiu por terra sob a justificativa da lei de direitos autorais. O assunto já havia, inclusive, sido debatido e esgotado no processo de construção do texto do Marco Civil, quando se concluiu que o mesmo não tem essa função de legislar sobre direitos autorais. A ministra de Cultura, Marta Suplicy, sugeriu, inclusive, que o assunto seja tratado no texto de reforma da Lei de Direitos Autorais.

“O novo parágrafo agride o direito dos usuários ao devido processo legal frente a pedidos de retirada de conteúdos considerados pelos requerentes – e não pela Justiça – infringentes aos direitos autorais, abrindo exceção que não deveria ser objeto do Marco Civil. Isso pode prejudicar a realização de um dos princípios fundamentais do projeto de lei – a liberdade de expressão, além de limitar o direito constitucional de acesso ao conhecimento e à cultura”, explica Veridiana Alimonti, advogada do Idec.

Portal CTB com Deborah Moreira

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