Corte Suprema de Justiça da Argentina deu fim, nesta terça-feira (29), à novela da Lei de Meios Audiovisuais ao declarar constitucional a legislação aprovada em 2009 pelo Congresso. Os ministros avaliaram que o Legislativo exerceu seu direito natural ao votar o projeto apresentado pelo Executivo.
A sentença esclarece que a liberdade de expressão é, entre as liberdades constitucionais, uma das mais importantes, pré-condição para a existência do Estado democrático, ferido pela distribuição atual de concessões de rádio e TV. “Do contrário, não existirá um verdadeiro intercâmbio de ideias, o que acarretará como consequência direta um empobrecimento do debate público”, manifestam os ministros, acrescentando que isso pressupõe um acesso igualitário dos cidadãos aos meios de comunicação.
Neste sentido, a leitura é de que o Estado deve ter um papel ativo no sentido de garantir e promover essa liberdade. “Os meios de comunicação têm um papel relevante na formação do discurso público, motivo pelo qual o interesse do Estado na regulação resulta inquestionável.” Com isso, é um direito estatal estabelecer limites de licenças, já que a liberdade de expressão não se dá pelo livre uso do espectro radiofônico, mas pela garantia de pluralidade e diversidade.
O Clarín passa agora a desrespeitar todos os seis pontos previstos nos critérios sobre cotas de mercado. O máximo que um grupo de comunicação pode alcançar é 35% da população. Em rádios AM e FM, o conglomerado atinge 41,88% – 16.801.346 de um total de 40.117.000 argentinos. Na TV aberta, alcança 38,78% (15.557.732), e controla 58,61% das assinaturas de TV fechada – 3.847.255 de 6.564.000.
Pode-se ter um máximo de dez licenças de rádio, TV aberta e TV fechada em nível nacional, e o Clarín controla 25. Tem ainda 237 canais de TV por assinatura, frente a um máximo de 24. Há uma infração ainda quanto às chamadas “licenças excludentes”: quem tem um registro para sinal de satélite de televisão por assinatura não pode ter nenhuma concessão. Hoje, o grupo tem nove destes registros.
Até agora a Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, reguladora da aplicação da Lei de Meios, não se pronunciou sobre a sentença. Ela será a responsável por executar a adequação do Grupo Clarín, que tem concessões de rádio e TV acima dos limites tolerados pela legislação (confira o quadro abaixo). Desde 2009 o maior conglomerado midiático argentino vem se valendo de liminares para não ter de cumprir os mecanismos anticoncentração.
A Corte Suprema já havia dito em 2012 que as medidas cautelares não poderiam ser prorrogadas indefinidamente, e determinou que o juiz de primeira instância desse fim ao caso até 7 de dezembro, o que levou o governo de Cristina Fernández de Kirchner a apelidar a data de 7D, o momento decisivo para o cumprimento da Lei de Meios. Mas, faltando poucas horas, a Câmara Civil e Comercial, equivalente à segunda instância judicial brasileira, definiu que as liminares teriam validade até que houvesse decisão em torno do tema. Naquela data, ainda assim, 20 dos 21 grupos que estavam em conflito com os novos limites apresentaram planos de adequação, que começaram a ser cumpridos ao longo de 2013.
Ainda no mês de dezembro, o juiz Horacio Alfonso declarou constitucional a Lei de Meios, mas recuou logo em seguida e dispensou o Clarín de cumprir a legislação. Depois disso, a Câmara Civil e Comercial declarou inconstitucionais dois artigos: o 45, que diz respeito aos limites para ter canais de TV a cabo – o grupo controla 58% do público alcançado pela TV fechada, 23 pontos a mais que o permitido – e o 48, que diz que não há direito adquirido sobre a posse de concessões públicas de rádio e televisão. A Câmara é composta por juízes ligados ao Clarín; um deles teve viagem a Miami paga por um braço do conglomerado.
A megaempresa questionava ainda os artigos 41, que considera intransferíveis as licenças, e o 161, que dispunha prazo de um ano para a aplicação dos limites anticoncentração.
A partir da publicação da sentença, o Clarín terá de apresentar um plano de adequação à autoridade reguladora, que deverá aprová-lo ou não. A Lei de Meios permite fatiar a sociedade para que cada um fique com menos licenças, inclusive entre familiares, e autoriza também a venda de concessões. Caso o grupo opte por não encaminhar uma proposta, um órgão do Ministério do Planejamento será encarregado de calcular o valor de todos os bens e das licenças. Estes serão devolvidos ao Estado e repassados à sociedade a partir dos de menor monta, e até que se respeite o previsto pela legislação.
Rede Brasil Atual