Daqui a poucos meses, o golpe de Estado do dia 1º de abril de 1964, que deu início a 21 anos de ditadura militar no Brasil, completará meio século. Embora pareça – felizmente – cada vez mais distante, o soco foi tão forte que, vez em quando, ainda sentimos falta de ar. A liberdade, conquistada com a vida de brasileiras e brasileiros, entre eles muitos estudantes, ainda vive lamentáveis sufocamentos, mesmo frente ao estado democrático.
Nesta semana marcada pelo dia dos professores e por protestos estudantis em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, o grito por democracia encontra eco em duas grandes bandeiras da juventude brasileira contemporânea: a democracia interna das universidades e a desmilitarização da polícia.
No campus, jovens como os da USP, a maior universidade pública do país, carregam hoje o slogan “Diretas Já!”, relembrando a campanha da década de 1980 que levou milhões às ruas de todo o Brasil pela redemocratização e pelo direito da população em eleger o seu presidente da República.
O movimento estudantil que estava na Praça da Sé, naquele 16 de abril de 1984, junto a mais de 1,5 milhão de manifestantes, é o mesmo que agora ocupa as ruas da capital paulista para levar ao conhecimento da sociedade os seguintes questionamentos: Por que em 2013, tantos anos após o fim do regime ditatorial, na eleição para reitor da principal universidade do país, entre mais de 100 mil membros da comunidade universitária, apenas uma quantidade irrisória (sem paridade entre estudantes, professores e funcionários) tem direito a voto? E por que, ao final do processo, quem nomeia o reitor é o governador do Estado de São Paulo, baseado em uma lista tríplice indicada pelo Conselho, mas que, mesmo assim, não é respeitada?
Eleições diretas e paritárias e o fim da lista tríplice são algumas das reivindicações dos estudantes que ocupam a reitoria da USP nas últimas semanas. No entanto, a intransigência do atual reitor, João Grandino Rodas, afronta, inclusive, as instituições mais importantes do país. Em nota, o DCE questiona: “Como pode o reitor da maior universidade do país não receber os estudantes, mesmo que a Justiça tenha determinado a necessidade de tal diálogo? Aonde quer chegar a reitoria com isso?”
Não é necessário aguardar o desenrolar dos fatos para perceber que, infelizmente, a política autoritária de Rodas já chegou a um cenário desanimador de violência, intolerância e abuso do estado sobre os movimentos sociais. Na última terça-feira, 15 de outubro, estudantes que defendiam nas ruas a democracia nas universidades estaduais paulistas foram covardemente encurralados, agredidos e presos pela polícia militar do Estado.
O fatídico dia dos professores em São Paulo e no Rio de Janeiro reforça a necessidade de mudanças significativas nesse modelo de corporação policial, herdado pela ditadura, que esvaziou a policia civil e reformulou a polícia militar para sua configuração atual. É necessário acabar com sua estrutura militarizada e empreender uma mudança institucional coerente à sociedade democrática de direitos conquistada pelo povo brasileiro. A proposta de desmilitarização consiste na mudança da Constituição, por meio de Emenda Constitucional, de forma que polícias Militar e Civil constituam um único grupo policial, e que todo ele tenha uma formação civil, humana, não belicista e hierarquizada nos moldes tenebrosos das atuais PMs pelo Brasil.
Não há como compactuar mais com uma instituição de segurança pública que ofereça a seus homens e mulheres treinamento semelhante ao de soldados que precisem eliminar um inimigo externo. O policial não deve ter a população como sua inimiga e sim respeitar direitos, bem como também ser julgado e tratado como um cidadão.
Diversos jovens que protestavam pacificamente em São Paulo e no Rio de Janeiro, na noite da terça-feira, acabaram feridos devido à truculência da PM, entre eles diretores da UNE e da União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP). Os episódios de despreparo e de agressão à cidadania daqueles que estavam ali presentes apenas reforçam a necessidade de discussão deste tema.
A democracia precisa continuar vencendo. Para isso, é pontual que a imprensa deixe de lado a sua sanha faminta pelo espetáculo da violência policial e faça o seu verdadeiro papel de informar a população sobre as pautas reais de estudantes, professores, trabalhadores, cidadãs e cidadãos que têm tomado as ruas, desde o mês de junho, com o anseio de mudar o Brasil.
Por uma universidade democrática, por uma polícia desmilitarizada. Pela saúde da nossa liberdade, para que 1964 mantenha-se como uma lembrança distante, ainda que amarga.
Sigamos na luta!
Virgínia Barros é presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE). Artigo especial para o Blog do Azenha.