O que move os defensores do Estatuto do Nascituro?

O que move setores da sociedade a tentar criar uma comoção nacional em torno de uma lei que dá direitos de pessoa humana a embriões, que podem nem se desenvolver ou serem gerados de forma violenta, sem o consentimento da mulher ou da menina vítima de estupro? O que leva esse mesmos setores a pregarem tamanha intolerância ou, no mínimo, omissão quando se trata de crianças e adolescentes que existem de fato e de direito abandonados à própria sorte?
 
O projeto de lei 478/2007, que ficou conhecido com Estatuto do Nascituro, foi aprovado na comissão Finanças e Tributação da Câmara Federal, apesar de já ter sido apontada sua inconstitucionalidade, inclusive no que diz respeito especificamente aos artigos 165, 167 e 169 da Constituição Federal.

Num momento em que os setores mais reacionários da sociedade defendem a redução da maioridade penal por declararem-se extremamente ameaçados ao conviver com crianças e adolescentes que podem ser um risco às suas vidas e ao seu patrimônio, eles querem que as mulheres e as meninas estupradas que engravidarem, além de não poderem decidir se querem ou não gerar o filho do estuprador, ainda tenham que conviver com ele!

Apenas esquecem que as crianças e adolescentes a quem eles temem são fruto histórico da má distribuição de renda e da falta de oportunidades impostas às classes trabalhadoras.

O projeto prevê, ainda, que o estuprador deverá reconhecer a paternidade e com isso ganhar os direitos de pai, podendo além de impor sua presença à mulher ou menina estuprada, ainda requerer guarda compartilhada, inclusive se a mulher estuprada for casada!

Legitima-se o estupro e ainda premia-se com um salário mínimo!

Aos direitos de seres humanos já constituídos – mulheres e meninas estupradas ou com gravidez de risco – sobrepõe-se o de uma potencial forma de vida que não se pode afirmar se virá a se constituir totalmente, restando àquelas a única opção de serem tratadas como meras incubadoras.

Terão que sofrer procedimentos dolorosos e invasivos se for constatado que o embrião tem alguma anomalia, para que os direitos à sua provável existência humana sejam garantidos, mesmo que isso signifique um risco à vida dessas mulheres e meninas.

Uma anomalia política e ética contra a democracia no que tange os direitos das mulheres.

O que move tamanha desonestidade política e ética dessas pessoas que se mobilizam para reconhecer em lei o direito de um embrião à proteção do estado, mas preferem tratar como caso de polícia milhares de crianças e adolescentes que não tiveram o direito à educação na idade certa, à saúde, à alimentação, à cultura, ao esporte e ao lazer, a um lar, a uma infância?

Fecham os olhos e o coração para a dívida histórica com a população que não teve igualdade de oportunidades e que muitos e muitas, por isso, tiveram suas vidas depositadas nas mãos da criminalidade. Não conseguem reconhecer a humanidade dos milhares de crianças e adolescentes contra quem dirigem a sua sanha “justiceira”. Mas do embrião in vitro, sim!

O embrião tem direitos à assistência à saúde, direito patrimonial, direito a uma pensão até a maioridade, que devem ser garantidos pelo estado!

O estupro é legalizado e premiado!

Às mulheres e meninas a criminalização e o cerceamento ao direito de autonomia em relação ao seu próprio corpo!

Historicamente as mulheres são os principais alvos das campanhas virulentas dos setores retrógrados e reacionários que não toleram sua própria incompetência e falta de vontade em conduzir a humanidade rumo a uma sociedade solidária, justa e fraterna.

Só conseguem produzir a segregação, o preconceito, a intolerância, o ódio, travestidos em seus dogmas de classe.

Move-se a roda do retrocesso do processo civilizatório!


Isis Tavares é presidenta da CTB-AM e do Sinteam (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Amazonas).

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