Entrevistado segunda-feira, 15, no programa Roda Viva da TV Cultura, o presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, disse que o governo neoliberal liderado por FHC fortaleceu e “desenvolveu” a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) com o objetivo de contornar os problemas decorrentes da seca e promover o progresso do Nordeste.
O dirigente tucano faltou com a verdade. Sua versão dos fatos é, a bem da verdade, uma cínica inversão da realidade, pois Fernando Henrique Cardoso extinguiu o órgão em 2001, a pretexto de “acabar com a roubalheira”. Surpreendentemente, Guerra não foi contestado pelos inquisidores do programa.
A versão
O presidente do PSDB criticava a suposta incompetência do governo Dilma no enfrentamento da seca que castiga os nordestinos quando foi interpelado pelo colunista político do jornal O Globo, Ricardo Noblat, com a seguinte pergunta:
– Presidente me diga uma coisa, o que é que o PSDB, que esteve no poder durante oito anos, os dois mandatos do presidente FHC, fez de concreto, de relevante em relação à seca?
O presidente do PSDB procurou tergiversar, evitando uma resposta direta, mas diante da insistência do jornalista, assegurou:
– O PSDB e antes do PSDB outros presidentes desenvolveram um programa que deixou muita coisa positiva no Nordeste, foi o negócio da Sudene.
Os fatos
Idealizada pelo economista Celso Furtado, a Sudene foi criada no governo JK pela Lei 3.692 de 1959 com a função de estimular o desenvolvimento do Nordeste e combater as desigualdades regionais no Brasil. Realizou vários programas e ações orientadas por este objetivo, sob o comando de Furtado.
Na época da ditadura, o órgão foi esvaziado e desacreditado no rastro de denúncias e escândalos de corrupção. Nos anos 1990, de hegemonia neoliberal, os problemas se agravaram. Sucateado, o órgão não resistiu à fúria privatista do tucano FHC. Foi extinto através de Medida Provisória em 2001, que também acabou com a Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia).
Dizer com cara limpa que “o negócio” da Sudene, “que deixou muita coisa positiva no Nordeste”, foi desenvolvida pelo governo do PSDB é como contar uma piada de duvidoso gosto.
Lula e Celso Furtado
Celso Furtado ainda era vivo e lamentou profundamente a decisão do tucanato, que causou considerável prejuízo financeiro ao Nordeste. A extinção foi precedida de uma intensa campanha moralista da mídia burguesa contra o órgão, focada em denúncias de corrupção. “A Sudene foi extinta para acabar com a roubalheira”, foi a cínica justificativa de FHC.
Cumprindo o que prometeu ao povo na campanha presdiencial de 2002, e pessoalmente ao economista Celso Furtado, o ex-presidente Lula providenciou a recriação da Sudene e da Sudam, através das Leis Complementares 124 e 125 de 3 de janeiro de 2007.
Não deixa de ser curioso que a versão falsa do cacique tucano tenha passado em branco no programa da TV Cultura. Talvez a explicação esteja no perfil ideológico dos entrevistadores, entre os quais tucanos de carteirinha, como o próprio Noblat e a colunista Eliane Catanhêde. Paradiando Noel Rosa talvez seja preciso perguntar: onde está a honestidade, o zelo pela verdade que a ética jornalística elege como dever primordial da profissão?
Sob a influência de reiteradas gestões tucanas e o progressivo sucateamento da TV Pública no governo Alkmim, o Roda Viva foi pouco a pouco perdendo a relativa independência e o caráter crítico de outrora. É hoje uma lastimável caricatura do que foi no passado, embora ainda contando com valorosos profissionais como o cartunista Paulo Caruso.
Umberto Martins é jornalista e assessor da CTB