Tome cuidado com quem, diante de um problema complexo, alega que só tem um jeito de acabar com ele. Em geral, é o jeito errado. Em sua obra monumental, “The Great Wave” (A Grande Onda), que trata da evolução dos preços no mundo ocidental desde a Idade Média aos nossos dias, o historiador econômico David Fischer identifica sete tipos de inflação segundo a suas causas, aos quais, na lista abaixo, acrescento dois tipos especificamente brasileiros. São eles:
1. Expansão exagerada da oferta monetária.
2. Aumentos excepcionais de demanda agregada.
3. Contração da oferta/quebras de safras.
4. Inflação de custos/espiral salários-preços.
5. Aumentos de preços administrados.
6. Bolhas especulativas.
7. Expectativas.
A essas eu acrescento:
8. Inflação inercial.
9. Inflação de origem cambial.
É evidente que, num processo inflacionário aberto, muitas dessas causas atuam em conjunto. Numa situação de inflação moderada, porém, é perfeitamente possível identificar suas causas principais. E a causa principal da inflação brasileira hoje, moderada como é – alguns centésimos de ponto percentual eventualmente acima da margem superior da meta – não é de origem monetária, ou seja, não é do tipo que se pode combater eficazmente com o único instrumento da elevação da taxa de juros para criar desemprego e conter a demanda.
A razão é que, para empresas e para os ricos, não temos uma moeda simples, mas uma moeda remunerada. Mais de um terço da dívida mobiliária pública são constituídos por títulos públicos que rendem juros diariamente no open à brasileira, e funcionam como caixa de seus titulares. Num mercado financeiro padrão, uma elevação da taxa básica de juros leva ao retraimento do crédito. Aqui a maioria das empresas aumenta sua liquidez monetária quando os juros sobem.
Essa é a principal razão pela qual não existe um conflito de interesses em torno de juros entre empresas dos setor produtivo e empresas financeiras. Quando se trata de elevar juros, todas saem ganhando. Por certo que empresas que não têm dinheiro aplicado no open e dependem de algum crédito bancário saem perdendo. Mas essas são minoria. Além disso, a relação “normal” taxa básica de juros e taxas de juros de empréstimo é tão baixa que uma elevação de alguns pontos percentuais da primeira praticamente não afeta a segunda. Por isso que Alexandre Shwarztman, antes do BC e hoje do marcado, quer logo um aumento de 4 pontos na taxa básica.
Diga-se de passagem que essa distorção estrutural do nosso sistema financeiro não é culpa só do PT. Vem de longe. Num livro de 1985, “O Grande Salto para o Caos”, a professora Maria da Conceição Tavares e eu a denunciamos extensivamente. O curioso é que os chamados economistas ortodoxas não conseguem percebê-la e insistem em mecanismos de controle de inflação via indução da queda da demanda ou do aumento de desemprego com o aumento da taxa de juros que, dada a nossa institucionalidade, tem um custo muitas vezes superior ao de um país normal.
Contudo, o fetiche de que só existe um meio de combater a inflação tem um apelo fantástico entre acadêmicos, oportunistas e vigaristas, cada um com sua razão. Acadêmicos porque as equações do modelo são muito elegantes do ponto de vista matemático (“uma regra de três metida a besta”, como diz meu amigo e co-autor, o matemático Francisco Antonio Doria); oportunistas e vigaristas, simplesmente porque ganham com a “moeda financeira” do open à brasileira.
Estamos às vésperas de uma reunião do Copom. Criou-se todo um clima para o aumento da taxa básica de juros. O único efeito relevante disso, se acontecer, é que haverá um aumento concomitante da dívida pública, do déficit nominal e, portanto, da necessidade de remunerar de forma crescente a dívida pública indexada à Selic. É a correção monetária da moeda, a pior forma de inflação, na medida em que acentua um processo inercial já presente nos preços dos serviços públicos. Seria este, realmente, o único jeito de combater a inflação, sabendo que a inflação já está cedendo?
Na I Guerra Mundial – conta a historiadora Bárbara Tuchman, em “A Marcha da Insensatez” – quando exércitos alemães e franceses se defrontavam, em 1917, no impasse da guerra de trincheiras sem possibilidade de vitória para nenhum dos lados, o Estado Maior alemão concluiu que teria uma derrota certa com a eventual entrada dos EUA na guerra. Mas os EUA relutavam. Sabia-se, porém, que estavam firmemente comprometido a defender a liberdade dos mares. Acontece que os alemães estavam produzindo submarinos numa escala de mil por ano. O que fazer com eles? Parecia que a única coisa a fazer era deflagrar a guerra submarina. E deflagraram!
J. Carlos de Assis é conomista, professor de Economia Internacional da UEPB, autor, entre outros livros, de “O Universo Neoliberal em Desencanto” e “A Razão de Deus”.