O desafio de exercer o poder

Em toda sociedade machista e patriarcal, como a brasileira, as mulheres têm sido, historicamente, relegadas à invisibilidade e ao silêncio. Confinadas nos espaços privados, elas sempre ficaram fora dos espaços públicos, submersas no silêncio e na invisibilidade; dedicadas à família, e sem consciência do próprio valor e de seu papel na sociedade. Aos poucos, porém, a invisibilidade e o silêncio têm sido superados e as mulheres começam a ocupar espaços antes reservados exclusivamente aos homens, tanto no mundo do trabalho, como nos demais campos da vida social.

Quando tomam consciência de seus direitos – como mulher, trabalhadora e cidadã – começam a participar de movimentos reivindicativos e se envolver na luta por direitos individuais, sociais e políticos. Isso contribui para adquirirem autoestima e se tornarem referência para outras mulheres nas suas comunidades. Hoje elas estão no mercado de trabalho e sindicatos, participam da luta geral dos trabalhadores. Estão, porém, excluídas das instâncias de direção, ou seja, dos espaços de poder destinados aos homens e quase exclusivamente ocupados por eles.

Entre todas as barreiras à participação das mulheres, a da política é, sem dúvida, a mais difícil de transpor, exatamente por ser a política o espaço das decisões e do exercício do poder e, como tal, privilégio dos homens. No Brasil, as mulheres são mais da metade da população e do eleitorado; têm maior nível de escolaridade e representam quase 50% da população economicamente ativa do país.

No entanto, estão sub-representadas nas esferas de poder. São apenas 11% do Congresso Nacional; não chegam a 20% nos níveis mais elevados do Poder Executivo. No judiciário, nas universidades, nos sindicatos e empresas privadas ocupam apenas 20% das chefias.

Outro indicador da exclusão das mulheres brasileiras dos espaços públicos de poder é que em mais de 185 anos do poder legislativo no Brasil, somente em 2011 uma deputada ocupa um cargo de titular na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e, em todo esse tempo, apenas quatro deputadas foram eleitas para cargo de suplente do mesmo colegiado.

É preciso registrar, no entanto, que houve avanço nesse aspecto, ainda que com atraso e num ritmo muito lento. Em 1995, foi aprovado o sistema de cotas para as eleições do ano seguinte, com reserva de 20% de vagas para as mulheres. A partir de 1997, seguindo tendência mundial, a reserva passa a ser de no mínimo, 30% e no máximo 70% para candidaturas de cada sexo. Trata-se, no entanto, de uma conquista formal, visto que os partidos não a cumprem, sem sofrerem qualquer sanção. Além disso, as mulheres enfrentam grandes dificuldades nas disputas eleitorais, como falta de recursos financeiros, inexperiência política e invisibilidade na mídia.

Cota partidária

Em 2009, como conquista do movimento de mulheres, uma minirreforma eleitoral estabeleceu novas regras e ações afirmativas que passaram a valer nas eleições de 2010. Com a nova lei, os partidos são obrigados a preencher a cota de 30% de vagas, sob pena de suas chapas de candidatos não serem registradas pela Justiça Eleitoral.

Além disso, os partidos têm que destinar 5% dos recursos do Fundo Partidário à criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. O partido que não cumpriu esse dispositivo deverá, no ano subsequente, adicionar mais 2,5% do Fundo Partidário para tal destinação. Ademais, os partidos devem reservar ao menos 10% do tempo de propaganda partidária para promover e difundir a participação política das mulheres.

No atual quadro partidário, as mulheres tem pequena chance de ampliar sua participação política. São poucas em cargos de direção quase exclusivamente ocupados por homens. Isso se deve também ao fato das mulheres não se lançarem nas disputas partidárias internas. Preferem apoiar e eleger dirigentes homens, talvez por insegurança em disputar poder, até porque são educadas para assumir funções e tarefas nos espaços privados, enquanto os homens são formados para ocupar espaços públicos. Isso, porém, não deve ser aceito como algo natural. É preciso romper com essas determinações socioculturais, preparando-se para disputar e conquistar o poder, se assumindo como sujeito político na sociedade.

No entanto, não basta disputar e conquistar poder. É preciso também transformar a forma de exercê-lo, rompendo com as práticas machistas da política tradicional: competitiva, autoritária e excludente. Assim, estarão contribuindo para mudar a cultura política que determina a convivência e as relações nos espaços públicos e a forma de exercer o poder, tornando-as mais solidárias e democráticas.

Como resultado das lutas dos movimentos feminista e de mulheres por direitos e igualdade de gênero no País, vale destacar ainda as valiosas conquistas da Constituição de 1988, que consagrou os direitos humanos como fundamento da nação brasileira e os direitos das mulheres, essencialmente, como direitos humanos.

Não obstante essas importantes conquistas que impactaram positivamente na vida das mulheres brasileiras, nas esferas públicas e privada, persistem obstáculos ao pleno exercício de sua cidadania, quanto às desiguladades de gênero em relação aos direitos civis e políticos; sociais e trabalhistas. A garantia desses direitos depende de políticas públicas e de ações de governo que, por sua vez, supõem o poder político do qual as mulheres têm sido, historicamente, excluídas.

Enfim, a exclusão das mulheres das decisões políticas significa inaceitável déficit democrático, cuja eliminação representa o maior desafio a superar: a inclusão e o empoderamento de mais da metade da população brasileira.


Luiza Erundina é deputada federal pelo PSB-SP. Artigo originalmente publicado por “Caros Amigos”.

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