Livro mostra a importância dos quilombos na construção identitária do Brasil

Uma história de vida, um percurso de militância e absoluta devoção às raízes e tradições de um povo que se configura como matriz da identidade brasileira. Com propriedade e vasto conhecimento de causa, Gloria Moura, professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), vale-se da realidade dos quilombos e remanescentes para demonstrar como os ritos tradicionais assumidos pelas comunidades negras rurais constituem um eixo identitário fundamental à manutenção de toda uma cultura, a um só tempo fonte de saber e resistência. Recentemente lançado, o livro “Festas dos Quilombos” (Editora UnB), de sua autoria, é resultado de uma investigação iniciada em 1986 e consolidada em 1997, em seu doutoramento na Universidade de São Paulo (USP).

“Iniciei a minha pesquisa a partir de um projeto idealizado por Celso Furtado, então ministro da Cultura, o qual integrava as comemorações alusivas ao centenário da Abolição, em 1988”, conta Glória Moura. “Quando ingressei no doutorado já dispunha de pesquisa de campo e do levantamento documental das realidades de três comunidades quilombolas: Santa Rosa dos Pretos (MA), Mato do Tição (MG) e Aguapé (RS)”, diz.

Por meio de entrevistas, depoimentos, relatos de vida, registros fotográficos e audiovisuais a pesquisadora documentou os aspectos socioeconômicos, rituais religiosos, além de festas, rotinas de lazer e trabalho, para demonstrar como essas manifestações estão associadas a tensões, preocupações e conflitos relativos à questão da terra, da tradição e da autoafirmação dessas populações.

Seu interesse pelos quilombos contemporâneos foi especialmente motivado pela realidade educacional brasileira e um cenário curricular indiferente à história da África e do negro no Brasil. Militante engajada e reconhecida referência na luta pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, Gloria reafirma seu comprometimento com a causa: “temos de implementar esse plano para que a escola, efetivamente, seja um espaço que comporte a diversidade, as realidades locais e o diálogo entre saberes”, acrescentando que essa prática deve integrar a formação inicial e continuada dos professores. “É fundamental desenvolvermos espaços pedagógicos que demonstrem a multiplicidade identitária no Brasil por um currículo que faço o estudante conhecer suas origens e se reconhecer”.

Conforme relata em seu livro, “caminhando em chão batido, levantando a poeira da história de ao menos dois séculos, chegamos às comunidades negras rurais brasileiras. O tempo não apaga as lembranças dos descendentes de africanos escravizados que habitam o solo conquistado por ascendentes anteriores à abolição”.

Festas, tambores, danças e ritos religiosos colhidos, registrados e analisados pela autora nessas comunidades confirmaram sua proposição: realidades que ilustram estruturas organizativas e denunciam tensões sociais e culturais. “O Brasil precisa revalorizar sua origem para recompor sua verdadeira identidade”, afirma.

Engajamento

Ao percorrer comunidades quilombolas pelo Brasil afora, Gloria Moura se valeu do imperativo biográfico e de seu olhar não apenas como educadora, mas como “mulher mestiça que quer identificar-se”. Ao contar que trabalhou como etnógrafa, em seu mapeamento de campo, atesta que “as ciências sociais e a antropologia estão mudando seus paradigmas, admitindo que pesquisa e pesquisador se enlacem”. Legitimada por um olhar e uma história que lhe conferem autoridade no assunto reitera não descrever de fora o objeto, “na via tradicional”, mas de modo “compartilhado e reflexivo”.

Aposentada da Universidade de Brasília, Gloria prossegue com sua militância atuando como consultora do Conselho Nacional de Educação/MEC e da Unesco – parcerias que resultaram em livros que hoje são importantes materias de consulta e de referência no resgate das tradições de origem africana: Uma história do povo Kalunga e Estórias Quilombolas.

Fonte: UNB Ciência

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