A Europa foi sacudida por um dia de protesto da classe trabalhadora nesta quarta-feira, 14. Ocorreram manifestações (greves, concentrações e passeatas) em pelo menos 20 países da região: Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Lituânia, Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Holanda, Áustria, Polônia, Romênia, Bulgária, Malta, Letônia, Finlândia, Luxemburgo, Dinamarca e Suécia. Além desses, Suíça, Eslovénia e República Checa convocaram atos para os dias 15 e 17.
Milhões de trabalhadores e trabalhadoras aderiram ao movimento. Organizada pela Confederação Europeia dos Sindicatos (CES), a “Jornada europeia de ação e solidariedade” adotou o lema “Pelo emprego e a solidariedade na Europa, não à austeridade”. Dezenas de organizações sindicais participaram da mobilização, realizada de acordo com as condições e singularidades de cada país.
Cabe destacar as greves gerais na Espanha e em Portugal, dois países que, como a Grécia, vivem sob o tacão da chamada troika (FMI, Banco Central Europeu e cúpula da União Europeia), sujeitos a medidas draconianas de “austeridade fiscal”, amargando recessão e o avanço implacável do desemprego. Na Espanha, onde pelo menos 62 pessoas foram presas e 34 ficaram feridas durante a paralisação, o índice de desocupados ultrapassa 25% e supera 50% entre os jovens.
Na Grécia, que convive com índices de desemprego equivalentes aos da Espanha e uma depressão cavalar (que caminha para o sexto ano), escolas, transportes e outros serviços públicos foram paralisados por 3 horas e uma passeata percorreu o centro de Atenas e terminou numa concentração na Praça Syntagma, junto ao Parlamento. O movimento sindical promoveu uma greve geral de 48 horas nos dias 6 e 7-11 contra o arrocho fiscal imposto pelo governo a mando da troika.
Na Itália, milhares de estudantes e trabalhadores tomaram as ruas de Roma, Milão, Turim e outras cerca de 100 cidades, pedindo garantias de emprego e aposentadorias ao governo do premiê Mário Monti. Em Milão e Turim ocorreram confrontos entre manifestantes e policiais. Na França foram registradas 130 manifestações, lideradas por cinco centrais sindicais. “A Europa está acordando hoje, de Roma a Madri e Atenas”, disse um estudante universitário italiano de 23 anos, Mario Nobile, ouvido pela Agência France-Presse.
Luta de classes
As razões para a elevação da temperatura da luta de classes no velho continente são notórias. Ao longo dos últimos anos, a União Europeia transformou-se no epicentro da crise mundial do capitalismo. O desemprego aberto na zona do euro bateu novo recorde em setembro e já castiga 18,49 milhões de pessoas, 11,5% da população economicamente ativa. A economia, em recessão, recuou 0,2% no segundo semestre deste ano e não há sinais de recuperação. A situação tende a piorar em 2013.
As condições são desiguais. O sofrimento do povo é maior nas nações mais frágeis economicamente, que acabaram perdendo, em nome do euro, a soberania sobre as políticas monetária, cambial e fiscal. Na Espanha, os despejos desumanos efetuados pelos bancos (mais de 400 mil desde 2008 e em geral contra mutuários que perderam o emprego e já não têm como pagar as prestações da casa própria) produziram uma escalada de suicídios e levou uma mulher de 44 anos a anunciar a venda do próprio rim e todos os “órgãos vitais” para pagar a hipoteca. A indignação popular ganhou as ruas e fez a Associação Espanhola de Bancos a anunciar uma “trégua” de dois anos nos despejos.
Um capitalismo decadente
Como pano de fundo da tragédia não é difícil enxergar o processo histórico de decadência do capitalismo europeu. A crise mundial, iniciada no final de 2007 nos EUA, serviu de pretexto para uma perversa intervenção da troika em alguns países sufocados pela dívida externa, o que aprofunda a recessão e exacerba as contradições e conflitos sociais em toda a região.
Os pacotes impostos pelo FMI, BCE e UE, lembram as danosas intervenções no Brasil e em outros países latino-americanos por ocasião da crise da dívida externa. Traduzem uma ofensiva feroz da burguesia financeira europeia, hegemonizada pelos banqueiros da Alemanha, contra a classe trabalhadora. Sob a pressão da concorrência asiática, as classes dominantes querem revogar o chamado Estado de Bem Estar Social e suprimir ou flexibilizar inúmeros direitos e benefícios conquistados pelos trabalhadores durante o século 20.
A ordem do dia é achatar, por todos os meios, o custo unitário do trabalho para ganhar competitividade num mercado mundial deprimido pela crise e ameaçado pelo protecionismo. O que se desenha no horizonte do velho continente, e em boa medida já está em curso, é um retrocesso social provavelmente sem paralelo na história do capitalismo, que de resto também pode levar de roldão o regime democrático e desaguar na barbárie, conforme temem muitos analistas.
O desafio da classe trabalhadora
O protesto unitário da classe trabalhadora em 23 países da região ficará registrado na história como um marco na luta pela justiça social e contra a barbárie. Não é aceitável e não é racional que, em pleno século 21, se queira retornar às relações sociais vigentes nos primórdios do capitalismo, quando inexistiam os direitos sociais e a soberania do mercado era absoluta. O capitalismo europeu já não está em condições de manter o Estado de Bem Estar Social conquistado e erigido nos anos dourados do pós-guerra.
Só a classe trabalhadora, com união e determinação, pode interromper o retrocesso, através da luta de classes, e evitar a barbárie, garantindo as conquistas civilizacionais e avançando no rumo de um novo sistema social. As manifestações desta quarta-feira sinalizam de forma inequívoca nesta direção.
Wagner Gomes é presidente nacional da CTB.