Um debate recorrente no movimento sindical brasileiro é sobre a organização sindical. Quais as melhores propostas organizativas para o desenvolvimento do sindicalismo classista em nosso país? Algumas correntes do sindicalismo brasileiro, refratárias à chamada Era Vargas, procuram demonizar alguns pilares sobre os quais se assentam a legislação sindical no país a partir do governo Vargas.
Esses pilares são a unicidade sindical, a contribuição sindical e o poder normativo da Justiça do Trabalho.Remover esse tripé, segundo o entendimento de certas correntes, seria um passo adiante na modernização do sindicalismo e das relações de trabalho no país. Os novos parâmetros de organização seriam pautados pelo pluralismo sindical, o fim das contribuições compulsórias e a criação de outras instâncias de arbitragem que não a Justiça do Trabalho.
A nossa opinião, em primeiro lugar, é que não existe modelo único, perfeito e ideal de organização sindical. Tudo depende do nível de desenvolvimento do sindicalismo classista, da conjuntura política, da correlação de forças e do grau de consciência e organização dos trabalhadores. A organização serve à política, e não o contrário. As debilidades e insuficiência s do sindicalismo devem ser buscadas em outras questões para além do seu atual modelo organizativo.
Os principais documentos legais que tratam da organização sindical são a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1º de maio de 1943, a Constituição Federal de 1988, principalmente em seu artigo 8º, e algumas portarias do Ministério do Trabalho e Emprego, em especial as que visam normatizar o preceito constitucional que fala em “órgão competente” para registro sindical.
Já em sua época, a CLT foi um avanço importante para os trabalhadores, produto da luta sindical, da reconfiguração do Estado brasileiro pós-Revolução de 30 e do processo de urbanização e industrialização do país. No capítulo da organização sindical, sobre a qual pesam algumas críticas, os aspectos mais restritivos da CLT foram substancialmente melhorados com a Constituição de 1988, que deu passos largos no rumo da mais ampla liberdade e autonomia sindical
É óbvio que não existe autonomia absoluta, mas hoje as organizações sindicais são livres para redigir seus estatutos (foi abolido o estatuto-padrão), fixar as cotizações, aprovar programas de ação, definir quadros administrativos, disciplinar o processo eleitoral, prestar serviços, tudo sem interferência ou intervenção do Estado. Também não há mais a Comissão de Enquadramento Sindical do Ministério do Trabalho e o controle do processo eleitoral pelo Ministério Público do Trabalho.
Persiste ainda lacunas como a não regulamentação do direito de negociação dos servidores públicos, há abusos como o não respeito à estabilidade dos dirigentes sindicais, limitações ao direito de greve (multas, interditos proibitórios), a definição das contribuições dos trabalhadores, etc. Esses são os pontos que devem ser enfrentados, não os aspectos democráticos conquistados nas duras batalhas da última Assembleia Nacional Constituinte.
Na legislação brasileira também há o que no Direito se chama de liberdade positiva (direito à filiação, à participação sindical, direito de voz e voto) e liberdade negativa (liberdade para não se sindicalizar, de não participar ou se desfiliar do sindicato sem precisar se justificar).
Mesmo com todos esses avanços democráticos, há propostas no sentido de se lutar para que o Brasil ratifique a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. É preciso destacar, em primeiro lugar, que essa Convenção é contemplada nas leis brasileiras, com a única exceção do seu artigo 2º, que prega o pluralismo sindical.
Os defensores dessa Convenção pregam a tese de que o trabalhador, enquanto indivíduo, precisa ter total autonomia para criar sindicatos e/ou em qual organização sindical participar. Contra essa posição, o renomado jurista do trabalho Dr. José Carlos Arouca afirma que “a autonomia coletiva soprepuja a liberdade individual quando se trata da determinação da vontade majoritária, indispensável para a concretização da democracia”.
Quanto à contribuição sindical, seus adversários esquecem que a própria OIT, em sua Convenção 95, ratificada pelo Brasil em 25 de abril de 1957 (*proteção ao salário) diz: “descontos em salários não serão autorizados, senão em condições e limites prescritos pela legislação nacional ou fixados por convenção coletiva ou sentença arbitral”.
Mais: a OIT afirma: “o sistema de se deduzir automaticamente dos salários uma cotização para fins de solidariedade, a cargo dos trabalhadores não sindicalizados que desejam servir-se dos benefícios obtidos por meio do contrato coletivo de trabalho de que é parte a organização sindical interessada, não está coberto pelas pertinentes normas internacionais do trabalho, mas não é considerado incompatível com os princípios da liberdase sindical”. (Curso Básico de Direito Sindical, José Carlos Arouca, LTr, 1976, pág. 207).
Por último, com todas as incongruências da Justiça do Trabalho, não é razoável, no atual quadro político do país, acabar com mecanismos como data-base, dissídio coletivo, poder normativo da Justiça. Há quem sonhe com a criação de árbitros não-estatais para dirimir conflitos entre o trabalho e o capital no regime capitalista!
Por último, consideramos importante reconhecer que as tarefas centrais do sindicalismo na atualidade é avançar em sua unidade rumo a um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho. O documento aprovado na Conferência da Classe Trabalhadora, no dia 1º de junho de 2010, no Pacaembu, é uma importante base programática para a unidade do sindicalismo classista e de luta do nosso país.
O Brasil vive um importante ciclo progressista, de definição de novas perspectivas para os trabalhadores. A unidade de ação do movimento sindical, em particular das centrais, precisa se consolidar e avançar. Introduzir, agora, o debate sobre alterações de fundo na organização sindical brasileira pode gerar mais confusão, divisão e lutas intestinas, em prejuízo dos reais interesses dos trabalhadores.
Nivaldo Santana é vice-presidente da CTB