Ariano Suassuna abre festa literária em morro carioca

Até domingo (11), o Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, é centro de debates sobre livros e literatura no Rio. Pela primeira vez, uma comunidade pobre da cidade sedia a Festa Literária Internacional das Unidades de Polícia Pacificadora (Flupp). A abertura do evento coube ao imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Ariano Suassuna, que aos 85 anos fez questão de viajar do Recife, onde mora, para encantar a plateia com suas histórias que misturam a vida pessoal e o folclore nordestino.

Durante pouco mais de 30 minutos, o escritor recitou trechos de suas obras, como O Auto da Compadecida, já retratada no cinema e na televisão. Contou passagens recheadas de bom humor, envolvendo causos acontecidos com ele ou imaginado em sua literatura, sempre tendo como pano de fundo o Nordeste, principalmente a sua Paraíba.

Antes de subir ao palco, Suassuna falou com exclusividade para a Agência Brasil e TV Brasil, sobre o significado de sua presença em um território recém pacificado, onde há pouco tempo imperava o crime e a violência.

“Machado de Assis dizia que no Brasil existem dois países. O país oficial, dos privilegiados, e o real, que é o do povo. Eu que sou um homem da cultura, que amo meu país, amo meu povo, em meu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras disse que o Brasil tinha dois símbolos, o país urbano e a favela. É uma alegria enorme para mim [estar aqui] porque começou-se a perceber que a favela não era os bandidos, era a população ordeira, que era perseguida por eles. Eu, como sertanejo que sou, fico muito feliz de encontrar aqui os meus irmãos urbanos.”

Um dos organizadores da Flupp – nome que faz analogia à já tradicional Festa Literária Internacional de Paraty, conhecida como Flip – é o antropólogo e ex-secretário nacional de Segurança Luiz Eduardo Soares, que entre outras obras escreveu Elite da Tropa e Elite da Tropa 2, que serviram de base para os roteiros dos filmes Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.

“A Flupp sintetiza o processo da sociedade carioca de vencer a violência com meios democráticos, valorizando a juventude. Ainda há um caminho longo a ser percorrido [com as UPPs – unidades de Polícia Pacificadora], mas na prática ainda há uma série de dificuldades, até porque a brutalidade policial não desaparece do dia para a noite. A Flupp é um momento neste processo para buscar qualificar as UPPs, chamando a atenção entre favela e produção cultural.”.

Para o coordenador-geral das UPPs, coronel Rogério Seabra, a festa literária representa uma ponte entre os moradores das favelas e os do asfalto. “O elemento cultural é um dos principais consolidadores do valor da vida. Ficamos satisfeitos de estarmos aqui neste ambiente, resignificando as culturas locais, que durante muito tempo foi de violência. A UPP chega como uma ponte para unir demandas reprimidas e ofertas possíveis. O que está acontecendo hoje é a oportunidade que os livros e a cultura cheguem”, disse.

A programação da Flupp inclui debates entre 19 escritores brasileiros e 18 estrangeiros, saraus literários, palestras e lançamentos de livros. Amanhã (8) à noite será lançado um livro reunindo 43 contos, selecionados ao longo do ano a partir de oficinas feitas em diversas comunidades da cidade, com moradores e policiais militares.

Os debates são livres e serão mediados por intelectuais ligados à área cultural. A coordenadora de Cultura da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso-Brasil), Marta Porto, destacou as mudanças trazidas a partir da pacificação. “É uma microrrevolução que vai começando no território e tomando o país. É o germe do bem, que a arte e a cultura vão deixando nas pessoas. Começa com as crianças. A retomada do território é um fundamento que estava faltando nas políticas públicas e que agora chegou com toda a força”, declarou.

A programação completa da Flupp pode ser acessada no endereço www.flupp.net.br.

Fonte: Agência Brasil

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