No editorial da “Folha de São Paulo” de 16/10/2012, intitulado “Cotas de populismo” a Folha, em sua usual crítica aos avanços promovidos pelo governo nas políticas de ações afirmativas, demonstra seu inconformismo com a proposta da Presidenta Dilma em reservar 30% das vagas no serviço público para negros (pretos e pardos para o IBGE). Essa e outras medidas poderão ser anunciadas no dia 20 de novembro próximo, Dia Nacional da Consciência Negra.
Na verdade, não se importa com a injusta ausência de negros na administração pública, a Folha considera “problemático” essa onda de inclusão de negros em espaços até então branco, não querem a multifacetada cara do povo brasileiro em espaços de poder. Apesar da fracassada e sistemática tentativa da grande mídia e setores reacionários de impedir o desenvolvimento das ações afirmativas em nosso solo, bons ventos arejam o campo da igualdade racial no Brasil a partir da ascensão das forças democráticas e popular no poder.
Temos exemplos de importantes iniciativas ocorridas no corrente ano, como: o reconhecimento unânime da constitucionalidade das políticas de ações afirmativas e a legitimidade das cotas raciais proclamado pelo Supremo Tribunal Federal – STF; a aprovação da Lei 12.711/12 no Senado Federal, apesar do voto contrário do senador paulista, o tucano Aloísio Nunes, além da correção na regulamentação da lei apresentada pelo MEC; o alvissareiro Programa de Prevenção à Violência Contra a Juventude, cuja finalidade principal é combater o alto índice de homicídio sobre a juventude, em especial a juventude negra; os editais no Ministério Cultura que, além da arte e cultura negra, privilegia o artista, produtor, autor negro, essas medidas demonstram que os três poderes se envolveram com as ações afirmativas, que o ano corrente tem sido pródigo em matéria de avanços das reivindicações históricas do movimento negro brasileiro, que o governo federal sob a condução do terceiro governo popular, paulatinamente, caminha em direção da necessária reparação da dívida histórica com a população negra e ao enfrentamento dos mecanismos modernos de perpetuação das desigualdades raciais e do racismo.
Há certo cinismo na elaboração dos argumentos contrários as cotas e as ações afirmativas, visto que a classe e setores sociais resistentes reconhecem o processo histórico que legou a população negra à pobreza e marginalidade, estão conscientes da desigualdade racial, auferiram na prática que as cotas não ferem a meritocracia, não tenciona e nem divide racialmente o povo, ao contrário, contribui para integrar mais da metade da população a plena cidadania, sabem que as vagas das universidades públicas são majoritariamente preenchidas pelas classes mais abastadas, em razão da excelência universitária oferecida. Manifestam na retórica preocupação com o alto índice de desigualdade socioeconômica no Brasil, sabem que não há ambiente para democracia, desenvolvimento e prosperidade onde impera o racismo.
Fica evidente que a causa da resistência é que as cotas são um modelo de ação afirmativa que atende especialmente os sem oportunidade. Promover justiça social gera conflito, pois é impossível viabiliza-la sem colocar históricos privilégios em xeque, sem desarticular mamatas, para termos uma sociedade socialmente justa é necessário distribuir insumos materiais e políticos que busque equalizar as relações socioeconômicas na sociedade. Como resultado dessa equação, alguém deixa de ganhar exclusivamente. Há, também, a certeza que a presença de negros e pobres nas melhores universidades mudará o Brasil, incidirá em breve futuro na composição das classes dirigentes, é as universidades públicas o celeiro de formação da elite. Por isso verificamos a tenaz resistência da gananciosa elite brasileira, dos setores conservadores e de uma parcela reacionária da classe média, todos em conluio e bem representados pela grande mídia.
A resistência da igualdade racial tem fundamento classista e ideológico, será sempre uma batalha sem trégua, não é possível desenvolver socioeconomicamente mais metade da população brasileira sem desarticular privilégios, de modo que estamos diante de um campo constantemente conflitivo. A correta resposta a mais uma coto do cinismo da Folha nesses próximos dias é no voto, temos que vencer a batalha eleitoral derrotando politicamente seus aliados no segundo turno da eleição municipal, manter a mobilização nacional para eleger aqueles que têm compromisso com a plataforma do movimento negro e social. A luta social não prospera e se desenvolve adequadamente distante da luta política, pois em última instância os movimentos sociais buscam são direitos negados a muitos em beneficio de poucos.
Edson França é historiador e coordenador-geral da Unegro.