Suco de Jabuticaba? Como enfrentar a rotatividade

Voltamos mais uma vez a tratar da rotatividade para refletir um pouco sobre a ação sindical, fenômeno perverso que atinge milhões de trabalhadores brasileiros. Perder o emprego, rodar como peão, viver na insegurança do desemprego e na precariedade dos postos de trabalho são faces desse fenômeno. Acreditamos que o momento é oportuno para a ação sindical enfrentar e domar a fera!

Em 2010 a taxa de rotatividade ficou na casa de 54%, ou seja, um em cada dois trabalhadores “rodou” no emprego no ano. Se não considerarmos neste cálculo mortes, aposentadorias, pedido de demissão por parte do trabalhador e mudança de estabelecimento na mesma empresa, resta ainda uma rotatividade por inciativa das empresas de 37%. Um em cada três trabalhadores rodam no ano porque a empresa os demite! É razoável esse fenômeno? Vejamos algumas características dessa fotografia:
· 63% dos desligamentos são feitos por 6% dos estabelecimentos existentes no país, ou seja, 126 mil estabelecimentos fazem mais de 14 milhões de demissões ao ano. Como uma empresa pode ter mais de um estabelecimento – uma agência bancária é um estabelecimento, por exemplo – o número de empresas é bem menor. Portanto, é possível encontrar essas empresas.
· Um mesmo grupo de trabalhadores sempre é desligado no final de cada ano, apesar de ter vínculo ativo ao longo do ano.
· Há um grupo de milhões de trabalhadores que reincidentemente “rodam” todos os anos.
· O tempo médio de emprego no Brasil é de 4 anos, o menor na comparação com outros 25 países.
· 43% dos vínculos têm menos de um ano de duração e 60% menos de dois anos.
· 64% dos desligados estavam empregados a menos de um ano e 43% menos de seis meses.

Casos para pensar soluções
Já destacamos em artigos anteriores que a rotatividade é pró-cíclica em nossa economia, pois as taxas se elevam com o crescimento econômico e o aumento dos postos de trabalho formais. Não é solução esperar que o crescimento econômico resolva por si o problema, mas, nesse ambiente, podem-se abrir novas possibilidades para o enfrentamento do problema.

Nosso estudo revela que o fenômeno é complexo e permite iluminar o conhecimento prático que temos do problema. Para enfrentar e domar a fera é preciso conhecer suas manhas e manias.

Caso 1: Uma parte dos trabalhadores que “roda” está em atividades sazonais como, por exemplo, no corte da cana-de-açúcar, catando laranja, no comércio de venda de final de ano ou para o dia das mães, entre outros. São vínculos de trabalho de curta duração, resposta às necessidades que as empresas têm de aumentar expressivamente o volume de trabalho para executar uma grande tarefa e que uma vez encerrada extingue a demanda por trabalho. Repete-se no mesmo local a cada ciclo produtivo.

Caso 2: De forma semelhante ocorre no setor da construção civil, no qual o trabalhador está vinculado à obra. Uma vez concluída a construção, ou mesmo uma etapa dela, a demanda de trabalho se encerra naquele posto. O trabalhador se desloca para outra obra ou outra empresa, região ou cidade. Repete-se o ciclo econômico em local sempre novo.

Caso 3: Semelhante aos dois casos anteriores há demandas nas regiões de turismo, positivamente afetadas nos períodos das férias. Há um aumento da demanda na cidade e região de todas as atividades laborais por um período bem definido.

Caso 4: Há dois grandes grupos com práticas contratuais específicas na área da educação e saúde, com vínculos rompidos a cada período fixo. No caso da educação observa-se em dezembro um volume expressivo de rompimentos de contratos – escolas privadas e celetistas do setor público – e em fevereiro esses contratos são renovados. Algo semelhante ocorre na área da saúde. Qual a lógica dessa dinâmica?

Caso 5: Há postos de trabalho de péssima qualidade, em condições e ritmo que são aviltantes. Um exemplo clássico da atualidade é o trabalho em call centers. A péssima qualidade dos postos de trabalho conduz a rotatividade.

Caso 6: Na terceirização as empresas prestadoras de serviço adequam o volume de trabalho à demanda dos contratos. A terceirização anima a rotatividade.

Caso 7: Há no país empresas de alocação de mão de obra que “vendem trabalhador” segundo a demanda. Neste caso, trabalho encerrado, trabalhador demitido. A natureza da atividade é rodar.

Caso 8: Transversal a todos os casos, a maior parte daqueles trabalhadores que rodam estão em ocupações de auxiliares, assistentes, serventes, ajudantes na área da produção ou administração, em todos os setores. Ocupações de baixa qualificação e de baixo investimento por parte das empresas.

Caso 9: Uma parte das empresas usam as contratações de curta duração, associada ou não à demanda sazonal ou conjuntural, para fazer processo seletivo. A baixa qualificação é uma das justificativas para esse procedimento.

Poderíamos ampliar os casos se partirmos para uma análise setorial ou subsetorial, compreendendo com maior profundidade o fenômeno em cada contexto. Trata-se de uma tarefa que deve ser empreendida por todos aqueles que querem enfrentar o problema. Estamos tomando essa iniciativa em conjunto com as Centrais Sindicais e demais entidades sindicais para analisar o problema em cada contexto setorial e pensar a ação sindical.

As medidas para enfrentar o problema deverão responder às causas que levam as empresas a terem a conduta da rotatividade. Por exemplo, quando o trabalhador pede demissão a empresa sabe que deve oferecer melhor salário ou um pacote interessantes de benefícios, ou a promoção de cargo, ou a qualificação combinado com itens anteriores. Caso queira reter o trabalhador em um mercado aquecido a empresa deve melhorar sua proposta.

A Constituição de 1988 possibilita criar mecanismos inibidores da rotatividade. Uma das possibilidades, à semelhança do que foi feito para a prevenção de acidentes de trabalho, é criar alíquotas contributivas diferenciadas para empresas que praticam taxas maiores e menores, incentivando estas.

Mas, ao olhar para os casos há que se considerar que a multa não resolverá uma parte dos problemas. É necessário, portanto, cria mecanismos que, simultaneamente, respondam às características da atividade econômica sazonal e/ou conjuntural e mantenham ampla proteção ao emprego e ao trabalhador.

As causas exigirão medidas de impacto geral e amplo, bem como medidas de impacto setorial ou de âmbito da categoria ou da empresa. Há, portanto, um grande trabalho político-sindical para melhorar a qualidade dos postos de trabalho e do emprego no Brasil em todos os níveis. Mãos à obra!


Clemente Ganz Lúcio é Sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e do Conselho de Administração do CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos.

 

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