Os interesses do Brasil e o novo plano de negócios do sistema Petrobras

No dia 14 de junho deste ano a Petrobras apresentou a atualização anual para o seu plano de negócios 2012-2016. Em torno dele, geraram-semuitas discussões, especulações e disputas políticas dentro e fora da empresa. Nãoà toa, pois se trata da primeira exposição pública da elaboração estratégica da nova presidenta, Graça Foster. Um foco que envolve volumosos investimentos e com múltilplos interesses envolvidos.

Uma situação internacional tensa e incerta

Além dessa circunstância sobre os rumos da nova gestão, esse plano atualiza-se sob os efeitos universais da mais perversa crise capitalista contemporânea. No Brasil, apesar de medidas governamentais, ela já repercute negativamente sobre o ritmo do crescimento produtivo. No entanto, ao mesmo tempo em que agride um padrão civilizacional laboral, sobretudo o da Europa, ela acelera a nova configuração geopolítica multipolar ora em curso.

Nesse contexto, um conjunto de decisões sobre investimentos do porte do proposto por uma empresa do Brasiljogaum papel importante na nova divisão internacional do trabalho.

O maior aporte de investimento de uma empresa ocidental

O plano atualizado apresenta um volume de investimentos de U$ 236,5bilhões (R$ 416,5 bilhões) para o novo qüinqüênio, uma média de U$ 47,3 bilhões por ano. O anterior (2011 -2015) previa U$ 224,7 bilhões. Adicionam-se a esse novo montanteU$ 34 bilhões das empresas parceiras da Petrobras na área do E&P, totalizando U$ 270,5 bilhões.

Entre todos os segmentos próprios do sistema estatal e em relação ao PN anterior, o setor da exploração e produção cresceu e prevê consumir 60% do investimento total (U$ 141,8 bilhões). Com pequenos acréscimos, odo Gás&Energia, Petroquímica, Distribuição e o Corporativo foram respectivamente para U$ 13,8, U$ 5,U$ 3,6 e U$ 3,0 bilhões. Já o do refino, transporte e comercialização – um complexo com importante papel na agregação de valor dessa cadeia produtiva –teve seu aporte reduzido em 27,7% (U$ 65,5 bilhões), e o dos biocombustíveis para U$ 3,8 bilhões.

O plano revisa a produção de petróleo (boe) para 4milhões e 200mil barris por dia (mbpd) em 2020, contra a projeção anterior de 4.910 mbpd para o mesmo período. Uma redução de 14%.

Ajustes ou uma nova estratégia?

Das várias rubricas do plano,destaco a denominada“projetos em avaliação”, um “colchão” que pode chegar até U$ 27,8 bilhões. Os que se enquadram nessa categoria são os projetos que ainda são passíveis de estudo de viabilidade econômica (EVTE), que, somente quando superada essa fase, ganharão a condição para suas execuções. A refinaria do Maranhão, a do Ceará e a da COMPERJ estão aí incluídas, portanto, sob reanálise.Outra é a dos desinvestimentos, uma conta que não explicita quais segmentos serão impactados e que cresceu para U$ 14,8 bilhões.

A nova gestão sustenta essa revisão em função – segundo ela –dos erros de foco, operacionais e de controle da gestão anterior. Por mais publicamente que tente agora a presidenta minimizar essas suas conclusões, a cada exposição desse novo PN pelos seus técnicos e/ou por leituras mais atentas, está claro que há uma reorientação estratégica nos investimentos da Petrobras.

Esse novo PN – atualmente–não significa uma alteração de rumo, pois os volumes de investimentos nele contidos expressam uma orientação política governamentalque ganhou impulso desde Lula e prevalece com a presidenta Dilma. Tanto que mais uma vez mantém a tendência de crescimento dos aportes previstos dos últimos planos.A questão da exigência do conteúdo nacional é também um dos traços marcantes dessas recentes diretrizes.

Entretanto, a depender da estratégia adotada, ela podeaproveitar parcialmente ou plenamente a capacidade indutora e multiplicadora desses investimentos. Essas fabulosas cifras podem e devem contribuir para o financiamento de um novo padrão do desenvolvimento brasileiro. Mas analisando alguns valores e conceitos que sustentam a atualização desse plano, eles podem reduzir os efeitos potenciais para que alcancemos esse objetivo.

A tecnocracia é uma cortina de fumaça

Quando pela primeira vez em nossa história, forças oriundas do meio popular e democrático ocuparam os principais postos de comando do Estado brasileiro, algunsextratos da elite de outrorareagiram e até hoje se contorcem com essa vitória popular.

Aparelhismo partidário, abandono da meritocracia, interferência política na gestão das empresas estatais, etc. Foram e são até hoje o mote político dessa parcela do conservadorismo brasileiro contra o atual projeto político em curso no país.

A Petrobras está inserida também dentro desse contexto, e o que aparentemente tentase mostrar como mais uma questão técnica – como o novo PN – nada mais é do que a expressão concreta de mais uma disputa de interesses.

Por que será que essas mesmas vozes – dentro e fora da empresa – com destaque para a grande mídia, deram tanto destaque, inclusive defendendo as medidas do novomodelo da presidenta Graça Foster?  Será que se tornaram defensores da soberania nacional?

Nós que integramos o pensamento classista no Brasil defendemos o esmero e a viabilidade dos negócios púbicos. Ajustes, correções de foco e de gestão são aperfeiçoamentos sempre bem-vindos, entretanto, consideramos inadequado que se utilizemdiscursos tecnocratas para tentar justificar novos projetos. Na Petrobras alguns segmentos que estavam afastados de alguns postos de comando – mas suas idéias sempre circularam – aproveitam-se da situação criada e tentam retomar a iniciativa política.

A quem interessa um Brasil exportador de óleo cru?

A rentabilidade do segmento do refino em nível mundial está em baixa, e no Brasil não é diferente. Tanto é verdade, que rareiam as construções de refinarias.

No Brasil, após várias décadas, novas instalações foram aprovadas e algumas estão em obras. Uma decisão estratégica importante, pois possibilita agregarmos valor à produção petrolífera.À época, foi decisiva a visão nacional do Presidente Lula em detrimento daqueles que só se orientam pela lógica rentista do mercado.

Como vimos, esse novo PN projeta uma queda de investimento nesse segmento e eleva o da exploração e produção. O foco no E&P tem sua lógica, mas não podemos encará-lo – assim defendeu um dos expositores da empresa –como sendo mero arrecadador para que só posteriormente possaviabilizar a nossa capacidade refinadora. Esse argumento não se aplica a uma empresa integrada como é a do sistema Petrobras.

Como resultante dessa visão, as refinarias do Maranhão, Ceará e do complexo da COMPERJ estão inseridas no plano sob a rubrica “Em Avaliação”. Essa decisão obrigou a presidentaa receber os governantes desses estados e confirmar as obras previstas. No entanto, não saiu nenhum “fato relevante”alterando o plano e oficializando essa promessa.

O sistema “S” pode conflitar os interesses nacionais e o dos acionistas

Sãouníssonas as vozes do pensamento nacional que o Brasil não deve continuar a ser uma mera economia exportadora primária. E, portanto,não podemos repetir erros de outras nações e nos constituir num grande exportador de óleo cru. Provavelmente o retorno financeiro estaria assegurado, mas para quem? Que tipo de desenvolvimento teria o nosso país? Para quem interessaria esse tipo de estratégia?

Penso que essa parte do plano de negócios 2012-2016 é um diálogo com esse tipo de pensamento rentista, que só leva em consideração os fatores econômicos e financeiros em detrimento do progresso da nação. Essa estratégia pode até servir aos bolsos dos acionistas privados e seus aliados, mas é um obstáculo à causa contra as desigualdades regionais e pelo novo desenvolvimento brasileiro.

São visíveis os erros encontrados pela nova gestão da Petrobras, mas nenhum deles justifica uma alteração na estratégiaem pontos tão nevrálgicosda empresa.

A força de trabalho

Diante de todo o diagnóstico realizado pelo novo plano, a parte dedicada aos trabalhadores e as trabalhadoras foi apenas uma tela que expressa maiores exigências disciplinares, num desnecessário apelo ao engajamento da categoria às novas metas.Além disso, um dos seus programas estruturantes proclama a “Otimização dos Custos Operacionais”. A categoria, que já sofre com os abusos morais,e já tarimbada sobre quem repercutirá tal diretriz, prepara-se para uma nova ofensiva que o trabalho sofrerá com a nova gestão da Petrobras.

Mãos à obra!


 

Divanilton Pereira é membro da direção da CTB e da Federação Única dos Petroleiros

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