A eminência de mais repressão por parte da Polícia Nacional Peruana (PNP) contra manifestantes de Cajamarca, região norte do Peru, preocupa alguns especialistas peruanos que acompanham o tema de mineração no país. Eles protestam contra o projeto de mineração Conga e as contrapartidas ambientais oferecidas pela empresa responsável, a multinacional Yanacocha.
O confronto com a PNP já gerou cinco mortes nas últimas semanas e a prisão, por algumas horas, do mais conhecido opositor ao projeto no país, o ex-sacerdote Marco Arana, do Movimento Terra e Liberdade. Atualmente a região de Cajamarca, junto com ouras duas províncias no norte do país, vive em estado de emergência, declarado no último dia 4 de julho pelo ministro da Justiça, Juan Jiménez.
Para o cientista social Antonio Zambrano, o imbróglio gerado em torno de Conga, que envolve a população local, o governo de Ollanta Humala e a empresa multinacional, “não é o primeiro capítulo da história de conflitos na região envolvendo a atividade de mineração”.
Os últimos acontecimentos em Cajamarca “apenas atenua e apresenta um processo de exploração e práticas arbitrárias históricas para garantir a exploração secular de minério no departamento”, pontua Zambrano.
O professor Humberto Boñón Chegne, secretário regional de Cajamarca do SUTEP (Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação do Peru) elucida sobre o histórico de conflito em torno da mineração no departamento. “Essa situação começou com Atahualpa, um inca capturado em 1532 por um grupo de espanhóis por ter se recusado a se submeter ao poder da coroa espanhola e se negado a reconhecer a religião cristã”.
Encarcerado, o inca teria oferecido em troca de sua libertação uma sala cheio de ouro e prata, que passou a ser chamada de quarto de resgate. “Apesar de os espanhóis terem acordado isso com Atahualpa, o traíram, ficaram com seu ouro e prata e depois de nove meses o degolaram”, conta o professor.
Local histórico, o quarto de resgate é o principal atrativo turístico da cidade. Mas, para Ydelson Hernándes Llamo, um dos dirigentes do Comando Unitário de Luta da Região de Cajamarca, o espaço é uma referência que marca o inicio da exploração desenfreada de ouro em Cajamarca. “A partir daí, ao passar dos tempos, a forma de exploração foi modificada e acentuada conforme o desenvolvimento capitalista”, observa.
Herança
O maior argumento dos grupos opositores ao projeto de mineração é o fato de Cajamarca ter se tornado umas das regiões mais pobres do Peru mesmo com a atividade de mineração presente ao longo de sua história. Segundo dados do Ministério de Economia e Finanças e do INEI (Instituto Nacional de Estatísticas e Informática), Cajamarca passou de quinto para o segundo departamento mais miserável do país em um período de 20 anos. A região perde apenas para Apurímac, província com grande atividade mineira.
A pesquisa do INEI ainda revela que 529.537 crianças peruanas são vítimas de desnutrição crônica, sendo que as regiões com atividades de mineração são as mais afetadas: Huancavelica com 46,4 % , Cajamarca com 29,9%, Huánuco com 28,8%, Apurímac com 31,3% e Ayacucho com 28,1%.
Yanacocha é a empresa que mais extrai ouro da América Latina. Ela também é responsável por 1,6% do ouro extraído em todo o mundo. Segundo dados oficiais de 2010, 54% da população de Cajamarca é pobre.
“A mineração realizada ao longo dos séculos em Cajamarca por grandes grupos empresariais converte essa população numa grande massa de pobres, desocupados ou subocupados, aglomerados em ocupações urbanas nas cidades mais próximas, nas piores condições de vida”, denuncia o pesquisador de economia mineral e gestão ambiental, manejos e conflitos da Universidade Nacional de Engenharia de Lima, Juan Aste Daffós.
Fonte: Opera Mundi