Educadores transformadores

Com o slogan “A Educação Transforma”, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE abriu no dia 21 de abril a 13ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública, evento realizado anualmente desde 1999, com o objetivo de sensibilizar e conscientizar a sociedade e os governantes de que uma educação pública de qualidade é imprescindível ao desenvolvimento do país.

Neste ano a campanha acontece de 21 a 27 de abril e se propõe a discutir o Plano Nacional de Educação – PNE, a questão do Piso Salarial Nacional Profissional e a Carreira docente, o Financiamento da educação com base em 10% do PIB, a meritocracia e a terceirização da educação. A programação inclui panfletagens, audiências públicas nas casas legislativas, debates nas escolas e aulas públicas realizadas pelos sindicatos filiados à CNTE.

Por que uma semana nacional de defesa e promoção?

A campanha surgiu como forma de resistência ao projeto neoliberal implantado no governo de FHC na década de noventa do século XX, cujo objetivo sucatear os serviços públicos, inclusive a educação, e depois privatizá-los. Para os neoliberais a educação devia ser entendida com uma mercadoria, comercializada entre usuários e fornecedores de acordo com o preço que cada um podia pagar.

O combate a essa política foi diuturno e unitário, mobilizando diversos segmentos da sociedade, intelectuais progressistas e o movimento sindical tanto na elaboração de projetos alternativos (LDB e PNE), como em mobilizações de massa, incluindo as várias marchas de trabalhadores na esplanada dos ministérios em Brasília para se contrapor às reformas educacionais em curso.
No início dos anos dois mil, com a eleição do governo Lula, a campanha redimensionou seu objetivo. Passou a trabalhar no sentido de mobilizar a sociedade pela retomada do projeto alternativo de educação, elaborado nas duas décadas anteriores, pela sociedade civil organizada, buscando influir diretamente na mudança de rumo da politica educacional.

Esse processo de mobilização dos educadores implodiu a proposta de “Certificação de Professores” que o Cristovam Buarque, então Ministro da Educação, pretendia implantar com o objetivo de premiar professores que se destacassem nos testes padronizados. E retomou discussões importantes que havia sido retirado de pauta no governo anterior, como por exemplo, o projeto de FUNDEB, o controle da formação inicial e continuada pelo MEC, o ensino fundamental de nove anos, o novo ensino médio, o ENEM, a Lei que definiu o Piso salarial, dentre outras.

Ainda há muito a se fazer para alcançar uma educação de qualidade, porém, são inegáveis os avanços dos últimos anos, fruto em grande parte, da luta dos trabalhadores e das trabalhadoras em educação que em seu fazer cotidiano não tem medido esforços para superar gargalos históricos, como falta de professores, superjornadas, péssimas condições de trabalho, baixos salários e o abandono escolar. Numa corrente o movimento sindical docente, de norte a sul, leste a oeste deste país, tem marchado junto na perspectiva de que a luta é coletiva e que não há saídas individuais.

De modo que o desafio da semana é envolver professores, alunos, pais, funcionários e gestores de escola, a aposta na proposta de que “a educação transforma”, empreendendo ações no sentido de despertar o interesse de superar os dilemas da falta de qualidade na educação pública que são seculares, construindo alternativas viáveis. Pois, essa tal educação transformadora deve ajudar o sujeito a ler o mundo e a palavra, no sentido de torná-lo capaz de compreender a dinâmica das relações às quais é submetido e analisar as ações do seu cotidiano, como parte do todo que o cerca.

Certamente os defensores desta proposta de educação transformadora, tem a clareza de que o sindicato como instrumento de luta dos trabalhadores possui poderes limitados e, que os processos de formulação e aprovação de leis e instrumentos de normatização da educação dependem da correlação de forças, elemento determinante na luta de classes. Nem sempre favorável aos trabalhadores.

Nessa queda de braço, travada entre os defensores do capital e os trabalhadores, muitos não conseguem ler corretamente a conjuntura e reforçam o discurso dominante, atribuindo aos professores, aos alunos, aos pais e aos sindicatos, a culpa pelas mazelas da educação. Lamentavelmente essas pessoas reforçam o projeto daqueles que não pretendem mudar o status quo. Em contrapartida, os que fazem a leitura coerente percebem que nos últimos dez anos, pra ser mais objetiva e ressaltar a campanha, a educação melhorou, inclusive, os salários dos professores, houve, ainda, um realinhamento entre os níveis, em que pese alguma estagnação.

Na esfera da educação básica os salários melhoraram significativamente, na ultima década, se considerar que nos anos noventa do século XX, a maioria dos docentes não possuía curso superior, e isso distanciava muito os salários dos docentes dos anos iniciais do ensino fundamental (1ª a 4ª série) dos docentes dos anos finais do ensino fundamental (5ª a 8ª série) e ensino médio, a diferença na maioria dos estados superava os cem por cento. Fato que motivou a CNTE a defender o Piso salarial com base na formação inicial, de nível médio, onde se concentrava a maior parcela de docentes.

Essa debilidade caminha para ser superada em breve, pois, hoje a maioria dos professores já possuem nível superior e a outra parte, está em processo de formação, inserida na chamada plataforma freire, atual projeto de formação do MEC. Ou seja, as lutas empreendidas pelos trabalhadores em defesa da Formação, do Piso Salarial e da Carreira possibilitou aos docentes de todo o Brasil incluir na legislação nacional a obrigatoriedade investimentos na formação.

Com efeito, a formação adequada dos professores em nível superior e pós-graduação, tem repercussão significativa na carreira e no salário. Pois, força os gestores públicos estaduais e municipais, a reformularem os Planos de Cargos, Carreira e Salários – PCCS do magistério, estabelecerem a carreira única do magistério e rever a velha dicotomia entre professores de nível médio e professores graduados, que prejudicava sobremaneira os educadores.

Entretanto, o Ministério da Educação – MEC apesar de orientar, não possui um mecanismo eficiente de cobrança do cumprimento da legislação pelos sistemas estaduais e municipais, pois, desde a implantação do FUNDEF em 1998, que os governos burlam os recursos da educação, principalmente, a parcela destinada ao pagamento de salário de professores. Recentemente, a lei 11.738/08 que estabeleceu o Piso Salarial virou alvo de ações desses governos inimigos da educação, os quais fazem de tudo para desviar os recursos destinados à melhoria da qualidade e valorização da educação e dos educadores.

Após três longos anos de espera o Supremo Tribunal Federal – STF julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIM impetrada por cinco governadores que se levantaram contra a lei, mas, o Supremo não só disse não, ou seja, considerou o Piso legal, como regulamentou sua implantação. A reação de muitos prefeitos e governadores foi imediata, se entrincheirando contra os professores numa guerra que beira ao fascismo, alegando não ter dinheiro para pagar o referido Piso salarial, apelaram para o legislativo, numa ação orquestrada contra o reajuste do Piso com base no aumento do FUNDEB.

Mesmo com divergências quanto ao valor do Piso salarial do magistério em 2012 que o MEC definiu em R$ 1.451,00 e a CNTE calcula em R$ 1.937,00 para uma jornada de 40h semanais, é importante ter clara a defesa de sua aplicação como mecanismo de valorização do magistério, na medida em que se torna uma referência, onde nenhum professor deve receber salário inferior. E mais, os PCCS´s devem prever progressão para os demais níveis, observando a qualificação e o tempo de serviço. Considerando que o programa de formação de professores em nível superior já atingiu a maioria da categoria e em breve os professores devem receber além do Piso.

Vale salientar, porém, que alguns sistemas de ensino tem se esforçado para cumprir a lei do Piso, pagando salários equivalentes ao estabelecido na lei, porém, se fazem de desentendidos quanto ao condicionante, jornada de trabalho, que a lei determina  o cumprimento de 2/3 em sala de aula e 1/3 fora dela, destinada ao estudo e preparação das aulas. Uma bandeira histórica dos educadores que possibilitou aos professores dar mais qualidade ao trabalho e isto não pode ser negligenciado no cumprimento da lei do Piso.

No momento, muitos sindicatos estão em greve e outros, aproveitando a programação da semana, realizam manifestações pela efetivação da lei. Espera-se que esses trabalhadores e essas trabalhadoras não sejam punidos duas vezes.

Portanto, acreditamos que o sucesso da 13ª Semana Nacional em Defesa e Promoção da Educação será fundamental para que os trabalhadores e as trabalhadoras em educação alcancem êxito na implantação do Piso, e ajude a mobilizar a sociedade em defesa aprovação do Novo Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, aumento para 10% o percentual de financiamento da educação e garanta a valorização do magistério.


Raimunda Gomes, a Doquinha, é professora, mestra em Educação e secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.

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