Vivemos um momento ímpar na realidade brasileira. A crise capitalista que teve início em 2007 se aprofunda, no entanto o Brasil galgará a posição de 6ª entre as 30 economias do mundo. O IDH 2011 do Brasil é 0,718, colocando o país no grupo de nações com desenvolvimento humano elevado, acima da média global, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD/2011. Esse fato se deve ao rumo que o Brasil vem seguindo a partir da eleição do ex-presidente Lula, marco na nossa historia, e da eleição da presidenta Dilma Rousseff, que pode colocar o Brasil em outro patamar de desenvolvimento, dando consequência ao projeto nacional com valorização do trabalho, combate à pobreza e às desigualdades sociais. O trabalho continua a ser, portanto, central para o desenvolvimento e deve ser baseado na garantia e ampliação dos diretos, de combate a todas as formas de precarização e determinante para que haja distribuição de renda e justiça social.
É neste contexto que acontece a I Conferência Nacional do Trabalho e Emprego Decente. No ano de 2011 se realizaram 26 conferências sobre vários e importantes assuntos, celebrando um cenário de ampliação da democracia, através de inúmeras etapas regionais, municipais estaduais, fez-se o diálogo nacional para possibilitar a construção de políticas públicas de Estado, onde se possibilitou refletir, elaborar e propor políticas públicas regionais/locais. Essa Conferência ainda está em processo de construção e sua etapa final foi adiada para agosto de 2012. Para o movimento sindical e para o mundo do trabalho, é a mais importante delas, pois inaugura uma nova cultura e trata diretamente das condições de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. Trata-se, portanto de uma Conferência inédita e única, oportunidade de um bom combate da luta de classes com vistas à formulação do plano nacional de trabalho e emprego tanto local como nacional.
Várias polêmicas já surgiram, dentre elas a questão da desqualificação profissional. Procura-se dizer que um dos entraves para o desenvolvimento é que somos um país de desqualificados. Ora, se o Brasil é um país em desenvolvimento, precisamos é claro, suprir certa falta de mão de obra, precisamos que seja qualificada, sobretudo em determinadas regiões menos favorecidas do país – e para tanto é preciso investir. Tal visão advinda sobretudo do setor patronal para justificar seus maiores lucros se deve à concentração de oportunidades nas regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste , causando desigualdades regionais. Outra questão que se ignora é a alta rotatividade que ocorre no mercado de trabalho, o que dificulta a qualificação profissional. Para se falar em desenvolvimento, é preciso adotar políticas de Estado que garantam oportunidades para todos os cidadãos e cidadãs, de todos os estados da federação, levando em conta as diferenças locais e apostando na elaboração de políticas públicas de promoção da inclusão social.
O termo “decente”, bastante discutível, ficou por conta da formulação da OIT, que o utilizou para designar “trabalho produtivo adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna” e ainda se apóia em quatro pilares estratégicos a saber:
– respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação);
– promoção do emprego de qualidade;
– extensão da proteção social e;
– diálogo social.
A promoção do Trabalho Decente é considerada uma prioridade política, segundo o governo brasileiro.
Outra polêmica que apareceu em algumas conferências, levada pela CUT, foi a questão do fim do imposto sindical e o pluralismo sindical (convenção 87), o que a nosso ver não cabe nesta Conferência, por ser uma defesa acanhada e solitária, sem adeptos entre a bancada dos trabalhadores. Assunto a ser debatido em fórum apropriado do movimento sindical, longe de patrões e governo. Se colocado em pauta, fragiliza a luta sindical, o movimento sindical e se desvia o foco da Conferência: o desafio é debater e elencar propostas concretas para enfrentar a crise pela qual passa o mundo capitalista e enfrentar as desigualdades no mundo do trabalho e em nosso país.
A CTB prefere chamar essa Conferência apenas como do “Trabalho e Emprego”, já que em nossa concepção o termo “Decente” traz um valor moral que não enfrenta a essência do problema, que é o sistema capitalista e o antagonismo das classes sociais. Porém, compreendemos e afirmarmos que não se trata de mais uma conferência.
Feito o debate nacional, de forma tripartite e paritária, será traçado o novo Plano Nacional de trabalho e emprego, que a depender da correlação de forças nós trará ou não avanços, passará por uma imensa negociação. Daí a importância da nossa participação classista organizada e competente para aprofundar o debate e eleger propostas que vão ao encontro do projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, defendido na I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat). Podemos e devemos contribuir de forma decisiva, buscar alianças e estabelecer estratégias para avançar. Nela trataremos de assuntos estruturantes para a vida do trabalhador(a), como estar empregado ou não, ter direitos, flexibilização/precarização, igualdade de remuneração entre homens e mulheres, erradicação do trabalho escravo e infantil, liberdade sindical/contra práticas antissindicais; a redução da jornada para 40 horas semanais sem redução dos salários; fim do fator previdenciário; desindustrialização, mais investimentos em nossa economia, reforma agrária, qualificação e requalificação, meio ambiente, mais proteção social, etc.
As centrais sindicais construíram um documento com base na Conclat e apresentam suas propostas consensuais em temas inerentes e relevantes ao atual momento, com base em sua agenda aponta para o Desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho. Pois bem, é nesta conferência em que o conflito do Capital e trabalho toma visibilidade e dá oportunidade aos trabalhadores e trabalhadoras exercer seu protagonismo, propondo transformações, impedindo retrocessos de direitos que sempre estão ameaçados.
Neste cenário de disputa, presenciamos nas etapas estaduais e observamos o acirramento da luta de classe. Os empregadores consideram o termo trabalho decente “vago e subjetivo”, defendem o fim da tutela do Estado e apontam por contratações do trabalho de forma “mais modernas” sempre a defender o “Deus” mercado, sempre na velha pauta neoliberal de flexibilizar, precarizar, desregulamentar, privatizar, etc., como forma de obter a maior produtividade e os maiores lucros. E mais: alertam para a seguridade social “não se tornar uma barreira ao emprego” e apregoam as relações harmoniosas entre o capital e trabalho. Por sua vez, o governo queria que a conferência já apresentasse o novo plano, antes mesmo dos debates ocorrerem. Ao final, graças ao protagonismo dos trabalhadores e trabalhadoras, conseguimos reverter esse processo e inviabilizá-la.
Por fim, em fase de finalização das etapas estaduais, a conferência foi um sucesso e um exemplo ao mundo, sendo ela única a realizar-se de forma inédita no Brasil, ocorreu em todo território, envolvendo todos os segmentos, com exceção do estado do Acre, estranhamente, e foi concluída em dezembro de 2011.
Para nós, esta conferência traz a possibilidade de ampliação da democracia, de formação, de políticas publicas de trabalho e Emprego e de promoção de forma regional e local de novas estruturas para o mundo do trabalho. Aponta também para a necessidade do fortalecimento das secretarias de trabalho e emprego em cada estado/município e coloca na ordem do dia a elaboração do plano e implementação do desenvolvimento com valorização do trabalho para cada região e todo pais.
Marcia Regina Viotto é socióloga e assessora da bancada dos trabalhadores e da CTB.