A 6ª Cúpula das Américas chegou ao fim neste domingo (15) em Cartagena, na Colômbia, sem uma declaração final por falta de consenso sobre a ausência de Cuba. Para especialistas em Relações Internacionais, a posição adotada pelos países latino-americanos mostra a força da região frente a um isolamento cada vez mais evidente dos Estados Unidos.
“Essa conferência inverte um comportamento tradicional do início do século 20, quando os EUA comandavam como um maestro a pauta da América Latina. Isso mudou. Os EUA não comandam mais [a região]”, afirmou William da Silva Gonçalves, professor de Relações Internacionais da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Para o professor, apesar de o cenário estar cada vez mais claro, os norte-americanos têm dificuldade em assimilar as novas relações que desempenham com os países, principalmente os da América do Sul. “Evidentemente, eles [EUA] têm certa dificuldade para assimilar [esse cenário], principalmente no que diz respeito às relações com o Brasil, que agora devem ser baseadas na igualdade”, completou.
A análise de Gonçalves é evidenciada também a partir dos últimos discursos da presidente Dilma Rousseff sobre o novo relacionamento entre Brasil e EUA. Na última semana, durante visita a Washington, Dilma afirmou que as relações entre os dois países deveriam ser baseadas na igualdade, sem que um ou outro fosse prejudicado por medidas de protecionismo cambial. Já na Cúpula, a presidente ressaltou que os líderes americanos devem trabalhar “na integração de nossos países e nossas economias”.
Exclusão cubana
Apesar disso, os norte-americanos não abrem mão de sua política de exclusão de Cuba. O país caribenho foi o único das Américas que não foi sequer convidado a participar da Cúpula em Cartagena. A imposição dos EUA recebeu o apoio apenas do Canadá, mas foi o suficiente para impedir que os líderes presentes na reunião assinassem a declaração final na qual defendiam a participação dos cubanos na próxima Cúpula, no Panamá.
“Essa questão é histórica. Desde o início das Cúpulas, em 1994, Cuba não podia participar porque o sistema político do país não seria uma ‘democracia’. Já aconteceram vários desses fóruns e cada vez mais países latino-americanos fazem pressão para que os cubanos sejam incluídos nos encontros. Nessa edição, essa pressão se tornou um fato concreto e certamente será a ultima cúpula sem o país”, analisou Luis Fernando Ayerbe, coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP.
“Sem a presença de países como Equador, Argentina e Brasil, por exemplo, a cúpula se esvazia e os EUA perdem muito com isso, já que o encontro é um importante instrumento político para os norte-americanos”, completou Ayerbe. Gonçalves segue a mesma linha do coordenador do Instituto e aponta para a queda do “poder” dos EUA na América Latina.
“Os EUA continuam sendo uma grande potência mundial e por muito tempo continuarão a ser. No entanto, já não conseguem comandar a América Latina, com exceção do México, que está vinculado aos EUA pelos acordos do NAFTA (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio). Todos os demais agem de uma maneira compacta. É claro que há diferenças entre alguns líderes, mas isso é natural. Não se aceita mais o comando dos EUA e há uma consciência de que os países latino-americanos formam um bloco, que tem interesses comuns”, explicou.
Diante da ausência confirmada de Cuba, alguns líderes nem chegaram a embarcar para a Colômbia. Foi o caso de Rafael Correa, presidente do Equador, que dias antes da cúpula confirmou sua ausência devido ao veto feito aos cubanos. Na véspera do encontro, foi a vez de Hugo Chávez, da Venezuela, e Daniel Ortega, da Nicarágua, anunciarem que não poderiam comparecer ao encontro, sem deixar claro o motivo.
Nesta segunda-feira (16), um grupo de intelectuais de diversas nacionalidades emitiu um comunicado em que apóiam a atitude de Correa frente ao veto cubano. “A decisão (…) de não participar da Cúpula das Américas, mantendo a prática unilateral de exclusão de Cuba, é um ato de dignidade e consequência que partilhamos e celebramos ao mesmo tempo em que convocamos outros presidentes a manifestar uma congruência do mesmo nível”, destacou o comunicado dos intelectuais.
No domingo, horas antes do fim da cúpula, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, decidiu ir embora de Cartagena por falta de consenso sobre as Ilhas Malvinas. Pouco depois, a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da América) declarou que não mais participará de cúpulas da região caso Cuba continue suspensa.
“A presidente do Brasil, os líderes do Caribe e outros da América do Sul, e não apenas da Alba, já disseram: não haverá uma nova Cúpula sem Cuba. Estamos num processo de desintegração por causa de um governo: os EUA”, acusou Evo Morales, presidente da Bolívia, membro da Alba.
No encontro que teve com Obama em Washington na semana passada, Dilma também defendeu o fim do embargo aos cubanos. Para Gonçalves, o papel brasileiro na questão é fundamental. “O Brasil é um líder [na região]. Um líder que exprime esse sentido comum, que tem o maior parque industrial e uma diplomacia de impacto mundial”, declarou o professor.
Fonte: Opera Mundi