Dilma entre a cruz e a caldeirinha

Em uma mudança cambial, entre todas as frentes de desgaste duas das piores são a volta ainda que temporária da inflação e as agitações no mercado financeiro e na chamada velha mídia. Será um tiroteio para ninguém botar defeito. A parte boa da história é que, com condução bem feita, essa turbulência pode ser breve.

Por outro lado, sem mexer no câmbio não haverá como recuperar o fôlego da economia, além de aprofundar o ritmo de desindustrialização. A liquidez internacional e a desaceleração do crescimento da China impõem uma nova urgência ao tema já que fragiliza dia a dia as contas externas brasileiras.

É devido a esse cipoal de desdobramentos que mudanças cambiais só acontecem em ambiente de crise.

Na verdade, o grande erro do governo Lula foi ter desperdiçado o “presente” que recebeu em 2003, o bônus de um câmbio desvalorizado sem o ônus do desgaste político – já que a desvalorização ocorreu no último ano do governo FHC.

O enfrentamento do problema exige, primeiro, medidas de cunho técnico, que sejam eficientes para dar competitividade ao real e, ao mesmo tempo, consistentes para trazer rapidamente a inflação de volta à normalidade.

Fazenda e BC têm todas as ferramentas necessárias para proceder à desvalorização competitiva do real.

Haverá um repique inicial da inflação. Depois de absorvido o choque de preços, os índices voltarão gradativamente ao normal.

O ideal é que  essa tarefa seja empreendida com o governo ainda em perfeito estado de saúde, com um bom saldo de aprovação em caixa para ser utilizado até que a inflação retorne à normalidade.

Se, às medidas de cunho monetário e fiscal, aproveitar-se o momento para montar uma sala de situação em cima do tema competitividade, juntando os ministérios principais, as associações empresariais, centrais sindicais, institutos de pesquisa, multinacionais, conseguir-se-á passar a noção de urgência e de mobilização nacional.

Transforma-se em limonada o limão da desvalorização cambial.

Haverá um pequeno problema de ordem pessoal a ser administrado, sob pena de colocar a estratégia em risco.

A política econômica é da presidente Dilma Rousseff, a interlocução interna é com o Secretário Executivo Nelson Barbosa, o grande estrategista da operação de 2008, que livrou o país dos impactos da crise global.

A face pública da Fazenda, no entanto, é o Ministro Guido Mantega, desenvolvimentista, imagem pública pouco polêmica, vida pessoal limpa, declarações sem muito impacto e, portanto, sem despertar muita resistência. Atua como uma barreira desviando o fogo contra o núcleo decisório da política econômica.

A questão toda é que, por trás das questões mais complexas, das decisões mais intrincadas, dos processos históricos mais relevantes existem pessoas, com as características humanas universais: vaidade, ciúmes, melindres.

Apesar de habilidosa, a estratégia provocou melindres em Guido e um clima interno pesado na Fazenda, uma disputa boba inexplicável quando se analisa o que está em jogo.


Luis Nassif é jornalista. Texto publicado originalmente em seu blog.

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