Pinheirinho, tragédia anunciada

O Brasil e o mundo acompanharam estarrecidos e indignados o despejo de 1,6 mil famílias, sem aviso prévio e desrespeitando os mais elementares direitos humanos de 6 mil pessoas, inclusive crianças, idosos, mulheres grávidas e doentes.

Nas primeiras horas do dia 22 de janeiro último, mais de mil policiais fortemente armados invadiram a comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, região próspera e desenvolvida do estado de São Paulo. Pegos de surpresa, quando ainda dormiam, e na expectativa de chegar a um acordo, com a intermediação do governo federal e a liminar da Justiça Federal que suspendeu a reintegração de posse por 15 dias, tempo para tentar negociar uma solução. Assim, foi negado aos moradores até mesmo o mais primário direito humano, o de legítima defesa.

Foram acordados com golpes de cassetete e a truculência de policiais despreparados para o cumprimento de tarefa delicada como aquela, cumprindo ordens de superiores hierárquicos e de governantes que não entenderam que o poder das armas e a opressão dos ditadores foram derrotados pelo povo brasileiro há mais de 30 anos. Devem lembrar-se também de que o poder que usam contra o povo, para garantir privilégios a alguns, foi outorgado pelo próprio povo, fonte e origem de todo o poder, conforme reza a Constituição Cidadã.

O lamentável episódio Pinheirinho não terminou com a derrubada das casas e a perda dos bens adquiridos, com enorme sacrifício, ao longo dos anos.

Destruiu-se também uma comunidade de pessoas; gerou-se a perda de empregos, vagas dos filhos nas creches e escolas e, em consequência, a exclusão do Bolsa Família. No lugar das casas simples, edifícios luxuosos serão construídos e comporão um novo cenário. A área e seu entorno serão valorizados e encherão as burras dos especuladores imobiliários.

Tragédias como a de Pinheirinho se repetem, impunemente, pelo país afora e nos remetem a um passado de triste memória; os despejos de favelas na cidade de São Paulo na década de 70 e que até hoje continuam. Está vivo na memória o despejo do Jardim Robru, em São Miguel Paulista, na Zona Leste, dia 30 de março de 1987, quando a Guarda Civil Metropolitana, no governo Jânio Quadros, assassinou com um tiro na cabeça o pedreiro Adão Manoel da Silva, 29 anos, e feriu dezenas de outros moradores. Era uma área da prefeitura e o despejo foi semelhante ao de Pinheirinho, com o agravante de ser uma área pública, ocupada por cidadãos sem moradia.

O mais terrível é a certeza de que outros Pinheirinhos acontecerão, enquanto não se removerem as causas do problema. As mortes no campo e nas cidades, relacionadas à questão da terra, têm causas comuns, a estrutura fundiária e a propriedade da terra que colocam o Brasil como um dos poucos países que ainda não democratizaram o uso da terra, permanecendo, nesse particular, num estágio pré-capitalista, pela absurda concentração de terras nas mãos de poucos. Não obstante a heroica luta do MST e do Movimento dos Sem-Teto, o Estado brasileiro ainda não fez a reforma agrária nem a reforma urbana, o que impede o pleno desenvolvimento do país e a garantia dos direitos humanos e sociais da maioria do povo brasileiro.


Luiza Erundina é deputada federal pelo PSB-SP

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