Quando o rei encontrou uma encruzilhada e, para nossa sorte, escolheu todos os caminhos.
Roberto Carlos é desses artistas que despertam discussões acaloradas. Para uns é o representante maior, ou mesmo até o pai, do que ficou conhecido como música brega. Para outros é um dos maiores autores e intérpretes da Música Popular Brasilera. E popular, parece, é a palavra chave para entender a rejeição de seu nome por parte da crítica.
Se existe algo do que Roberto pode ser acusado sem defesa é o fato de ser popular até hoje, com mais de cinquenta anos de carreira. De ídolo das matinês da Jovem Guarda ao cantor romântico que pedia o café da manhã para a amada. De negro gato ao homem de ar cansado em mais um especial de fim de ano transmitido em cadeia nacional.
Roberto arrasta milhões para a frente da tevê e para a plateia de seus shows. Para a maioria dessas pessoas, pouco importa o repertório. Aliás, imagina-se que a surpresa não é um elemento esperado em suas apresentações. Elas querem Roberto. O mesmo de sempre, com uma música nova ou duas, sobre baixinhas ou gordinhas, que são perdoadas pelo bem do espetáculo. Mas vale lembrar que nem sempre foi assim.
Houve um tempo em que Roberto buscava novos rumos para sua música. Se no início, quando emulava João Gilberto cantando bossa nova, não teve muito sucesso, encontrou no rock o veículo perfeito para seus primeiros sucessos. Mas, com o final dos anos de 1960 e a derrocada da Jovem Guarda, era preciso encontrar outra direção. Em 1971, ele conseguiu.
Chamado Roberto Carlos, como tantos outros do cantor, o trabalho é conhecido como “o de 71” ou “o de ‘Detalhes’”, e se tornou um dos maiores sucessos de toda sua carreira. Curiosamente, o que faz esse disco interessante não é o sucesso romântico, nem o rock ou a soul music. É a maneira como as diferentes influências se aproximam, como as faixas se costuram nos dois lados do vinil.
Vamos lá, sem ordem ou critério: “Como dois e dois” e “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” (a primeira de e a segunda para Caetano Veloso), “Detalhes”, “De tanto amor” e “Todos estão surdos” são clássicos absolutos do cancioneiro popular. “Você não sabe o que vai perder” (de Renato Barros) é outro grande momento. “Traumas” e “Amada Amante” têm seu público, mas essas duas trazem consigo o peso da direção que Roberto seguiria a partir dali, adotando o romantismo exacerbado em detrimento da espontaneidade. Durante o restante da década ainda veríamos algumas fagulhas criativas, mas nada que recriasse a energia desse álbum.
Ali encontramos um artista aceitando riscos, dialogando com referências contemporâneas e conseguindo, apesar de maneirismos do momento, tornar-se atemporal. Essa qualidade é observada pelo simples fato do ouvinte, hoje ser capaz de ignorar alguns timbres de qualidade duvidosa vindos de “novidades tecnológicas”. Ou pela constatação de que nenhuma regravação superou, ou mesmo chegou perto, de sua gravação original. Nem mesmo as do próprio cantor.
Outro dia, em uma loja de departamento, vi a emblemática capa desse disco (um desenho simples do artista sobre um fundo branco) em uma prateleira. Não resisti e acabei comprando um. Em casa, o desgosto de descobrir uma edição absurdamente mal acabada, sem nem ao menos a ficha técnica. O som, aparentemente, foi apenas transferido para o formato CD, sem nova masterização. Pensei cá com meus botões: será que um trabalho desses não merecia um tratamento adequado? Será que o público desse artista não merecia um tratamento adequado? No final, ficou a impressão que a edição é quase uma justificativa ou convite para o enterro da indústria fonográfica no país. E para o florescimento do download.
Publicado por Aldo Gama no site Brasil de Fato