“Cale-se”, as canções que a censura da ditadura proibiu

Histórias sobre as restrições impostas pela Censura a compositores brasileiros no regime militar já foram tão contadas que mal se toca hoje no assunto. Mas o produtor Marcus Fernando descobriu uma forma original de retomá-lo: reunir em quatro shows 52 canções vetadas à época ou que tiveram de ser reescritas. A série “Cale-se – A censura musical” começa na próxima quinta-feira e vai até 10 de julho no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

“Mestre-sala dos mares”, um dos maiores sucessos da dupla João Bosco/Aldir Blanc, tinha como título “Almirante Negro” e fazia referências mais explícitas à Revolta da Chibata, liderada por João Cândido em 1910 contra os castigos físicos aos marinheiros.

Fátima Guedes e Zé Luiz Mazziotti cantarão o samba no primeiro show da série, juntamente com algumas músicas de Chico Buarque. Uma delas é “Bolsa de amores”, feita para Mario Reis gravar e censurada por supostamente ofender as mulheres.

Dos mais conhecidos alvos da Censura, “Apesar de você” surgirá apenas no terceiro show, em que Inez Viana e Alfredo Del-Penho cantarão exemplares da dita música brega. Explica-se: o primeiro disco de Benito Di Paula, de 1972, foi retirado de circulação por conter o samba que Chico lançara num compacto – censurado após meses fazendo sucesso. Nesse bloco da série também estarão “Meu caro amigo Chico”, de Luiz Ayrão, e canções sensuais de Odair José.

– As composições bregas focalizavam temas tabus, como drogas, homossexualismo, prostituição, adultério, racismo, alienação, exclusão e injustiça social – explica Paulo Cesar de Araújo, autor de “Eu não sou cachorro não: música popular cafona e ditadura militar”. – Ao contrário dos artistas da MPB, que falavam para um público de classe média intelectual, já convertido, os bregas eram ouvidos por um segmento mais popular, majoritariamente católico, conservador. Neste sentido, o repertório brega era até mais contestador.

A distância da época em que as proibições aconteceram contribui para que muitas provoquem riso. Marcus contará histórias no palco, como a de “Pesadelo”, a única não censurada da série: Paulo César Pinheiro, parceiro de Maurício Tapajós na música, enviou a letra para a Censura na pasta das composições do novo disco do Agnaldo Timóteo, cantor não visado pelos militares.

“Chico Brito” (Wilson Batista/Afonso Teixeira), samba que será interpretado por Zé Renato no segundo show, tinha sido gravado em 1949, mas foi censurado em 1971, na voz de Paulinho da Viola, em função do verso “fuma uma erva do norte”. E “Tiro ao Álvaro”, que Verônica Ferriani cantará, foi considerada de “péssimo gosto” pela censora por causa do vocabulário típico de Adoniran Barbosa.

O quarto show, com Eduardo Dussek e Cris Delanno, será dedicado ao pop rock, do cerceamento às músicas de Raul Seixas na década de 1970 – “Óculos escuros (Como vovó já dizia)” teve sua letra quase toda refeita por Paulo Coelho – aos cortes na produção dos anos 1980. O primeiro disco da Blitz saiu com duas faixas arranhadas, opção da gravadora para não ter de fabricar de novo os LPs após o veto às músicas.

Fonte: O Globo

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